Muitos de nossos valores foram estabelecidos tendo como referência um sistema patriarcal, inegavelmente construído a partir dos interesses dos homens.
A comunicação e a linguagem são a tradução mais óbvia e explícita dessa realidade. Assim como todas as línguas latinas, a marcação binária de gênero, com todas as palavras no masculino ou no feminino, é a base do Português e isso ocorre há muitos séculos.
E é fato que o masculino escolhido para ser usado como genérico serve também para ocultar o feminino. Até a própria construção de frases e o uso trivial de determinadas palavras reforça e perpetua estereótipos do que um dia foram considerados os “papéis adequados” para mulheres e homens na nossa sociedade.
Exemplos práticos do que estamos falando
A forma como agradecemos e damos boas-vindas. Poucos são os idiomas que fazem uma distinção de gênero na forma de demonstrar gratidão e a nossa forma padrão é quase sempre no masculino. Em cada “obrigado” está implícito um homem agradecendo em nome de todas as pessoas. O “bem-vindo” está acolhendo uma pessoa do gênero masculino.
Sem contar que sempre empregamos “eles”, pronomes e advérbios no masculino como “todos”, “muitos” e “os seus” para nos referirmos às pessoas em geral, mulheres e homens. Enfatizamos o tempo todo identidades de gênero binárias, inclusive ao usar dispensáveis artigos definidos para nos referirmos a alguém.
Entenda o que é Linguagem Inclusiva e Linguagem Neutra
A linguagem inclusiva ou não sexista é aquela que busca comunicar sem excluir ou invisibilizar nenhum grupo e sem alterar o idioma como o conhecemos.
Essa linguagem propõe que as pessoas se expressem de forma que ninguém se sinta excluído, utilizando palavras que já existem na língua.
A frase “todos estão convidados” pode ser substituída por “todas as pessoas estão convidadas”. Termos como “os políticos” e “as enfermeiras” também podem ser alterados por a “classe política” e o “pessoal da enfermagem”.
Para Reinaldo Bulgarelli, sócio-diretor da Txai e consultor de Diversidade – e parceiro do Grupo Trama Reputale – a justiça e o respeito são essenciais em qualquer relação e tratamento.
“Sexista quer dizer, entre outras coisas, que existe um lugar para os homens e outro para as mulheres, acentuando desigualdades e não uma característica da vida. Portanto, se é um valor a igualdade de oportunidades, o tratamento deve ser justo e respeitoso para todas as pessoas. Por isso é importante aprender a usar a linguagem inclusiva da diversidade humana.”
A linguagem neutra ou não-binária (que não identifica o gênero masculino e nem o gênero feminino), embora tenha o mesmo propósito de incluir todas as pessoas, apresenta propostas para alterar o idioma e aqui entram, por exemplo, as novas grafias de palavras: amigxs, tod@s, todes.
Os maiores defensores dessas mudanças são ativistas do movimento feminista e LGBTQIA+, que veem na nossa língua uma ferramenta a mais para perpetuar desigualdades.
Como funciona a Comunicação Inclusiva para a Língua Portuguesa
O Português, assim como o Espanhol e outros idiomas provenientes do Latim, possui fortes marcadores de gênero. Isso quer dizer que mudamos a forma como escrevemos ou falamos algumas palavras do nosso idioma de acordo com o gênero em questão.
Isso acontece com os substantivos, adjetivos, artigos e pronomes: falamos meninas e meninos, bonitas e bonitos, eles e elas, e por aí vai.
Assim, temos palavras consideradas masculinas e femininas, porém quando queremos falar de forma genérica ou no plural, é o gênero masculino que se considera o correto para representar o todo. Logo, se estamos falando de um grupo composto de meninos, meninas ou mesmo crianças de outros gêneros, o correto segundo a norma da língua é usar “eles” ou “todos” para se referir ao coletivo.
Segundo especialistas em comunicação inclusiva, a forma como falamos, escrevemos e nos comunicamos reproduz nossos valores e crenças. Então, muitos dos estereótipos que conhecemos são validados e perpetuados de forma quase inconsciente. E, embora a língua em si não seja sexista, nossa realidade o é.
Uma frase como “eles são os melhores trabalhadores que temos” não reflete de forma correta a diversidade que o grupo de trabalhadores pode apresentar.
Como podemos saber se há mulheres, pessoas não-binárias ou que se identificam de outra forma neste grupo? Será que essas pessoas se sentem representadas por essa generalização? Esses são alguns dos questionamentos que se apresentam e sobre os quais nós, da Trama Reputale, temos procurado conscientizar clientes e parceiros.
E nos outros países?
Outras línguas possuem regras distintas quando o assunto é gênero. Alguns idiomas não apresentam gênero, como o Turco e o Finlandês, já que não usam marcadores de gênero nem em seus substantivos, nem em seus pronomes pessoais.
Já o Inglês é considerado um dos idiomas de gênero neutro, já que quase não possui marcadores: seus substantivos, artigos, adjetivos e pronomes no geral são palavras únicas que representam a todos; somente seus pronomes pessoais se regem pelo gênero.
Aplique agora mesmo a Linguagem Neutra ou Inclusiva na Comunicação da sua empresa
- Coloque o sufixo “-e” ao invés de “-o” ou “-a”, já que marcam unicamente a dois gêneros, enquanto o “@”, “x” e o “e” abrangem maior diversidade;
- Utilize outros pronomes de gênero neutro, como o “ile” (uma proposta para substituir o uso do “ele”/”eles” no caso de pessoas não-binárias, desenvolvido com a referência de pronomes demonstrativos neutros do latim);
- Dê preferência a palavras que representam a coletividade, por exemplo “a juventude” no lugar de “os jovens”; “pessoas beneficiárias” em vez de “beneficiários”, “diretoria” ao invés de “os diretores”;
- Escolha substantivos que representem instituições no lugar de indivíduos: “classe política” ao invés de “os políticos”, “população indígena” para substituir “os índios”, “poder judiciário” em vez de “os juízes”.
Prefira…
Os diretores | A direção;
Convocam-se os coordenadores | Convoca-se a coordenação;
Os legisladores estabeleceram | A atual legislação estabelece;
O trabalho do homem melhora sua vida | O trabalho da humanidade melhora sua vida;
É benéfico para o homem (no sentido de ser humano) | É benéfico para a sociedade;
Os cidadãos se manifestaram | A cidadania se manifestou.
Ao praticar a Comunicação Inclusiva, você:
- Denuncia o machismo e a intolerância de gênero;
- Visibiliza e identifica todos os gêneros, inclusive aqueles que se identificam como neutros;
- Valoriza, respeita e acolhe a diversidade;
- Não privilegia algumas pessoas em detrimento de outras;
- Gera reflexão sobre a desigualdade de gênero em outros âmbitos para além da linguagem.
Bônus 😉 Bate Bola com Reinaldo Bulgarelli
Vamos aprender um pouco mais sobre o assunto? Convidamos o Reinaldo Bulgarelli para um jogo rápido de perguntas e respostas sobre o tema:
Como a linguagem não sexista pode contribuir para uma sociedade mais inclusiva e proporcionar mais visibilidade para as mulheres?
A linguagem sexista prejudica as mulheres porque, em geral, ela vai trazer o homem como o normal, o universal, a referência. O anúncio de vaga, por exemplo, pode ser descuidado e utilizar o masculino como se fosse universal: “vagas para caminhoneiro e estagiário.” Poderia ser universal de verdade e falar em motorista e vaga de estágio.
Ela é prejudicial também aos homens porque ter uma visão equivocada de si mesmo ou de seu grupo não é algo que contribui para o desenvolvimento das pessoas. Olhando ainda para os homens, o cuidado com a linguagem colabora para enfrentarmos a masculinidade tóxica, o desenvolvimento de homens violentos, que se acham donos do mundo e, portanto, dono das mulheres, das crianças e dos idosos da família.
Qual é o papel da linguagem como agente socializante de gênero? E para o mundo corporativo?
O mundo corporativo comprometido com práticas de gestão responsáveis, éticas e, enfim, sustentáveis, precisa atrair mulheres porque a desigualdade no acesso ao mercado de trabalho e posições de liderança é algo grave no país. Ao assumir o compromisso com a promoção da equidade de gênero, entendemos que a linguagem faz a diferença na atração de talentos e na demonstração prática de que se respeita homens e mulheres da mesma maneira.
Romper com a linguagem sexista qualifica a demanda e faz com que as mulheres se sintam convidadas para trabalhar na empresa, até mesmo em lugares tipicamente masculinos. As meninas (crianças e adolescentes) passam a querer estudar em áreas como Tecnologia da Informação, por exemplo, onde há apenas 20% de mulheres hoje.
Existe certo e errado?
Sim, com essa questão ética acima, será errado reforçar o que não dá visibilidade às mulheres, o que gera ou reforça barreiras, o que nos afasta uns dos outros. O cuidado em lidar com a regras da linguagem e colocá-las a serviço da inclusão, do respeito, de uma organização ou sociedade tão masculina quanto feminina, se torna um prazer e não uma coisa chata.
E nem estamos falando aqui do cuidado com pessoas não-binárias! Elas estão trazendo desafios novos para o masculino e feminino presente na nossa língua e suas regras com a ideia de se falar todes, por exemplo, ao invés de apenas todos e todas.
Também não falamos de fotos, imagens, vídeos e outras linguagens que podem reforçar a imagem do masculino, branco, sem deficiência, heterossexual e cisnormativo (que se identifica com o gênero de nascimento), enfim. Por que não ousar na direção de um movimento que busca inclusão, novas possibilidades e até mesmo transformação da língua? A língua expressa e constrói mundos. E deixo aqui uma reflexão: qual mundo você quer construir?
No Grupo Trama Reputale, a diversidade está no nosso DNA
Em nossa cultura, acreditamos que quanto mais plural somos, mais fortes e inovadores nos tornamos. Por isso, valorizamos nossas diferenças. Somos guiados por ideias inovadoras e criatividade, paixão pelo conhecimento e aprimoramento, agilidade para aproveitar oportunidades, diálogo aberto para criar pontes entre as pessoas e, principalmente, pelo respeito a vida e a diversidade.
E para promover uma comunicação mais inclusiva, consideramos a multiplicidade e praticamos a empatia. Para isso, basta se perguntar: se você se colocar no lugar da outra pessoa, como se sentiria com a forma que você a trata?
A partir desses questionamentos vemos diferentes demandas surgirem, a exemplo de movimentos antirracista, anticapacitista (o termo se refere ao preconceito com pessoas que possuem algum tipo de deficiência), anti-gordofobia e muitos outros, que defendem que comunicação inclusiva também inclui abolir expressões preconceituosas e pejorativas que fazem parte do nosso dia a dia.
Sabemos que mesmo quem já aderiu à linguagem neutra, ela ainda causa estranhamento. Se acostumar com as formas de existência para além do binarismo é um processo de tentativa e erro. Segundo Bulgarelli, o primeiro passo é dar lugar ao gênero neutro sempre que possível.
“Mas, para isso, é preciso descontruir essa ideia de que o homem é o normal, o universal e que as regras do português devem ser seguidas. Quais regras? Demos exemplos de palavras que podem ser usadas sem alterar o que se quer comunicar, pelo contrário, até ampliando o público-alvo da mensagem.”