Compreender com mais exatidão o papel positivo do silêncio nas nossas vidas é um ato que exige desprendimento e estratégia. O que o silêncio produz de sentido para você? E se ele for detectado dentro do ambiente organizacional?

Conversamos sobre essas e outras questões com Fátima Motta, psicanalista, doutora em Ciências Sociais e mestre em Administração de Empresas.

O primeiro ponto que a consultora destaca é que, no contexto da pandemia, as pessoas se dividiram entre aquelas que valorizaram e as que não valorizam a possibilidade de ficarem mais em silêncio e aproveitarem os benefícios decorrentes dessa decisão.

“Quando ficamos em silêncio, entramos em contato conosco, o que pode ser tanto assustador quanto transformador. É muito importante a gente estar em silêncio. Vivemos em um mundo tão barulhento, e seguimos por esse caminho porque temos dificuldade de entrar em contato com quem realmente somos”, indica Fátima.

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Fátima Motta, psicanalista.

Segundo a psicanalista, toda vez que focamos excessivamente no que é externo, há uma fuga do que está no mundo interno. Há a necessidade natural do ser humano em silenciar por alguns momentos, mas o espaço dedicado a isso é cada vez menor, por conta da competição acirrada.

Quem não se manifesta, corre o risco de “ficar para trás”.

No mundo atual, um forte sinal dessa ideia é a replicação cada vez mais frequente, nas mídias sociais, dos mesmos discursos e formatos, repetidos à exaustão.

Para fugir da reflexão, o tempo todo estamos ocupando nossa mente e os nossos sentidos enviando e recebendo informação seja nas conversas presenciais pré-pandemia, seja na comunicação online  propiciada pelos computadores, smartphones e televisores.

O silêncio, muitas vezes, traz uma sabedoria da organização pessoal interna. É um processo de tomada de consciência, de aprimoramento da qualidade do pensamento. Em contraponto, temos permanecido muito mais na fala imediata e reativa, do que na construção estruturada. E isso acaba gerando alguns problemas, posturas mais impulsivas e por vezes inadequadas, quando se considera o ambiente corporativo.

 

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No piloto automático da própria vida

No silêncio, nos permitimos o autoconhecimento. Na medida em que nos reconhecemos, nos munimos de ferramentas para investigar e trabalhar cada um dos pontos que mais nos incomodam em nós mesmos. Quando ignoramos tudo isso, seguimos no “piloto automático” das nossas próprias vidas. E a constatação de estar nessa posição é o que muita gente evita.

“se não ficamos em silêncio, as dores não aparecem. E, se elas não aparecem, nos privamos da descoberta das razões pelas quais elas existem. Com isso, se perpetua o ciclo de  atitudes que objetivam evitar essas dores, o que acaba por esconder os nossos reais propósitos como pessoas”, diz Fátima.

No trabalho, esse processo de fuga do silêncio e da possibilidade de seu uso como ferramenta de auto análise, pode levar a alguns comportamentos prejudiciais dos colaboradores:

  1. Aceitar fazer parte de qualquer projeto, sem a devida avaliação;
  2. Replicar o “sim” automaticamente, no dia a dia, por medo de destoar de um grupo;
  3. Terceirizar ou protelar as escolhas profissionais que refletem os reais anseios;
  4. Realizar entregas superficiais, como reflexo da falta de elaboração interna.

Existe espaço para o silêncio no mundo corporativo?

Não é do silêncio decorrente do medo da exposição que estamos tratando, mas sim do caso do profissional saber que poderia se posicionar, mas não o faz por medo de possíveis consequências negativas.

“Conheço empresas nas quais se a pessoa não se manifesta o tempo todo, a consequência é uma má avaliação de desempenho. Acredito que há várias posturas possíveis no mundo corporativo e uma delas é o silêncio produtivo. Não é sinônimo de ficar ausente. Estou ‘na minha’, mas eu estou lá. Na medida em que eu realmente consiga digerir e elaborar internamente uma ideia ou posicionamento, manifesto isso de forma explícita”, opina Fátima.

O colaborador não precisa replicar a necessidade quase compulsiva de falar, atrair a atenção para si, alimentada em nossa sociedade.  É muito mais vantajoso para todos quando, de fato, as pessoas se apropriam de algo externo, elaboram e, como resultado, devolvem suas impressões qualificadas aos seus pares, como uma contribuição genuína.

As pessoas que já têm uma certa maturidade emocional, normalmente são mais silenciosas porque não precisam provar mais nada a ninguém. Enquanto o profissional julga que precisa, a todo momento provar seu valor, o resultado pode ser a perda da própria essência.

O importante papel do líder

Chegamos assim, à questão da liderança. Como o líder trabalha isso com a equipe?

Se o superior hierárquico estimula o que não deve ser estimulado, alimenta-se esse vício da fala sem substância, o que não é saudável nem para as carreiras dos profissionais envolvidos, nem para a estratégia de negócio.

Uma importante característica da liderança 4.0 é a escuta dos liderados, dos pares, do mercado para o desenho de uma estratégia efetiva. A concreta assimilação de todo esse conteúdo e a posterior “fermentação” do que é recebido só pode acontecer no recolhimento, no silêncio, na reflexão.

O líder precisa se perceber e identificar possíveis reflexos de seus comportamentos em sua equipe: tem uma equipe mais “barulhenta” ou uma equipe mais centrada, que se permite o tempo da reflexão para o desenho de possíveis novas rotas estratégicas no dia a dia?

“É sobre esse movimento de não querer viver em um eterno barulho que estamos falando. Do excesso de fala que esconde um vazio perigoso”, aponta Fátima.

Na falta frequente do silêncio, há uma grande perda de energia mental em nome da interação compulsiva e sem significados profundos. O silêncio pode significar a economia dessa energia e o reforço da intuição e do poder de concentração. Essa pode ser uma grande vantagem estratégica para a  liderança.

Com a prática desse poder de concentração, que ganha corpo com os momentos de conversa interna individual “pode acontecer o barulho que for à sua volta e, ainda assim, você consegue se manter focado no que precisa de fato fazer”, complementa Fátima.

Dicas rápidas para o uso do silêncio produtivo

1- Inicie e finalize reuniões com um breve momento de silêncio, voltado a focar os pensamentos dos participantes no tema proposto

A pausa causa um certo “choque”, impulsiona a mudança do mindset e proporciona uma recalibragem relativa ao que cada pessoa pode resgatar em si e levar para a discussão coletiva;

2- Realize reuniões mais curtas, com pauta e tempo de duração definidos

A ideia é estimular a formulação de inputs realmente qualificados e, consequentemente, valorizar cada uma das falas, na sua essência;

3- Exercite constantemente

Escuta Ativa e a Assertividade nas interações;

4- Busque a verdadeira empatia, silenciando mais para, de fato sentir e “ler” as outras pessoas com franqueza

Não precisamos responder o tempo todo a tudo o que ouvimos. A construção de laços fortes entre os membros de uma equipe requer esse revezamento dos momentos de protagonismo.