Relacionamentos de confiança dependem da capacidade das organizações em responder com eficiência às expectativas de públicos cada vez mais atentos a contradições. Justamente por isso, é preciso ter responsabilidade histórica.
Ou seja, conhecer profundamente a própria trajetória e, a partir dela, ser capaz de identificar oportunidades de aprofundar laços com os diversos stakeholders. Afinal, “os sentimentos que uma organização desperta nos públicos impactam diretamente sua reputação”, segundo Luiz Alberto de Farias, professor da ECA-USP e da UMESP.
“A responsabilidade histórica dá serenidade para se demonstrar o percurso que uma organização ou personalidade tenham desenvolvido”, observa.
Memória empresarial: responsabilidade histórica e possíveis formatos
Preservar as memórias empresariais é o que mantém a responsabilidade histórica viva. Iniciativas relativamente simples como um acervo de cases hospedados no site institucional ou, então, mais complexas, como a criação de museus empresariais e livros memorialísticos são formas de fazer isso.
Como apontam os resultados da pesquisa “A História e a Memória Empresarial das Organizações no Brasil”, da Aberje – Associação Brasileira de Jornalismo Empresarial, as motivações para essas ações são várias:
- desde manter a identidade corporativa e a coerência institucional (48%);
- até estimular o sentimento de pertencimento dos colaboradores (38%);
- passando pelo reconhecimento das memórias como catalisadoras de negócios (43%).
Nesse sentido, de acordo com o professor Farias, é possível dizer que comunicação corporativa e responsabilidade histórica se influenciam mutuamente.
“A comunicação tem duplo papel na gestão da responsabilidade histórica: contribuir para a preservação das memórias e basear-se nelas para os caminhos que adotar. Não há comunicação que possa apartar-se da história”, explica o docente.
No âmbito da Comunicação Digital, isto fica ainda mais evidente. Para Helen Garcia, diretora de Estratégias Digitais do Grupo Trama Reputale, ela é uma aliada dos projetos de memória, pois permite a diversificação dos formatos adotados e a ampliação dos públicos impactados.
“Um livro pode ser publicado na versão digital. Da mesma maneira, um museu pode ser estruturado para visitação remota. Linhas do tempo institucionais, revistas comemorativas, webséries e depoimentos em vídeo são, ainda, ótimas alternativas para promover este resgate em projetos mais pontuais”, complementa a executiva.
Responsabilidade histórica requer posicionamento crítico
Ao olhar para sua própria história, uma organização pode aprender com os erros, potencializar os acertos que marcaram sua trajetória e encarar com maior estabilidade os desafios do presente.
Isto passa pelo reconhecimento, por parte dos públicos, de que suas necessidades e expectativas são preocupações legítimas das empresas com as quais se relacionam. O que, consequentemente, gera valor em termos de reputação.
“Comunicar aos públicos de interesse e, de forma mais abrangente, à sociedade, a importância das ações empreendidas ao longo de sua história, contribui para o fortalecimento da reputação de uma marca, além de levar esse legado às novas e futuras gerações,” afirma Helen.
Para tanto, é preciso partir de uma perspectiva que preze pelo diálogo e esteja fundamentada na inteligência coletiva. Muda-se o centro da narrativa: entram em foco os anseios ambientais, sociais e de governança, como uma forma de reposicionamento histórico – o famoso ESG.
Nesse sentido, Farias afirma:
“Estratégias como as de ESG podem reforçar os compromissos de organizações e permitem uma nova oportunidade a corporações, e, em especial, à sociedade.”
Quando a história fortalece a instituição: o caso da AVAPE
Um exemplo de como responsabilidade histórica, memória organizacional, comunicação e compromisso com a sociedade podem se unir e inspirar é o trabalho que o Grupo Trama Reputale realizou em parceria com a Avape – Associação para Valorização de Pessoas com Deficiência.
Desde 1982 – mesmo antes da Lei de Cotas de 1991 –, a organização já atuava pela inclusão de pessoas com deficiência no mundo de trabalho. Com o apoio do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento, a associação lançou, em 2008, a AvapeNet, um call center totalmente formado por PCDs. No ano seguinte, foi a vez da Rede Avape, que reunia ONGs capacitadas a multiplicar sua metodologia Brasil afora.
Para celebrar e reconhecer essa parceria, a solução foi criar um box com dois livros que contavam os cases de sucesso da Avape, colocando no centro da narrativa, as histórias das pessoas e organizações que faziam parte da sua rede.
“Percebemos que se tratava de um amplo e importante projeto de memória empresarial, com o objetivo não só de celebrar os resultados conquistados, mas de mostrar a importância histórica e social da Avape ao desenvolver uma metodologia exclusiva de inclusão da pessoa com deficiência no mundo do trabalho, sensibilizando todos os atores da sociedade para a diversidade”, recorda Helen.
O projeto incluiu o mapeamento de fatos históricos da inclusão da pessoa com deficiência no País, o quanto a entidade contribuiu neste cenário, os principais protagonistas, um levantamento das histórias dos públicos impactados ao longo do tempo, e um estudo de como as ONGs parceiras estavam desenvolvendo e reproduzindo a metodologia Avape pelo país.
“Um dos destaques do projeto foi o uso de storytelling para humanizar e demonstrar o impacto do trabalho da Avape, transformado as vidas das pessoas e contribuindo para o movimento de inclusão em todo o Brasil”, complementa Helen.