O prêmio chega num momento em que a imprensa do mundo todo sofre com o vírus da desinformação. A pandemia atingiu o mundo em um momento já repleto de censura e cerceamento, o que culminou na piora da liberdade de expressão, o aumento da violência contra jornalistas, a restrição ao direito de informação e comprometimento de democracias.
O reconhecimento foi merecido à dupla, que representou todos aqueles que defendem, até com a própria vida, o direito à informação. Além do trabalho extraordinário, esses jornalistas vêm de regiões com um número alarmante de profissionais de imprensa assassinados. Nas três últimas décadas, 87 jornalistas foram mortos por fazer seu trabalho nas Filipinas e 58 mortos na Rússia.
A liberdade de expressão no mundo todo
Os números estão no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, criado pelos RSF – Repórteres Sem Fronteira, com a finalidade de avaliar a situação da liberdade de informação em 180 países listados.
Traz uma fotografia da situação atual da liberdade de imprensa, baseada na apreciação do pluralismo, da independência dos meios de comunicação, da qualidade do quadro legislativo e da segurança dos jornalistas.
Em 2021, o estudo mostrou que o exercício do jornalismo é a principal vacina contra o vírus da desinformação nesse momento da pandemia. E destacou que a liberdade de expressão está gravemente comprometida em 73 dos 180 países do Ranking e restringido em outros 59, num total de 73% dos países avaliados.
Esses dados correspondem ao número de países classificados em vermelho ou preto no mapa mundial da liberdade de imprensa, ou seja, aqueles em que o jornalismo se encontra em uma “situação difícil” ou “grave”, e aqueles classificados na zona laranja, onde o exercício da profissão é considerado “sensível”.
Perseguição à mulher jornalista é ainda maior
Ressa, que levou o prêmio Nobel, virou notícia no mundo todo. Ela destacou também a violência que sofre nas redes sociais por ser jornalista e mulher. A dura repressão contra as drogas, com execuções sumárias pelo governo Filipino, é criticada pela comunidade internacional, pela imprensa e opositores.
Por conta da cobertura contrária às execuções do governo Rodrigo Duterte das Filipinas contra traficantes e usuários – que seriam muitas vezes ilegais e escondidas em ações policiais –, Ressa sofre uma campanha de perseguição do governo do país. O que estimula ainda mais as agressões sofridas pela jornalista nas redes sociais.
O assédio a jornalistas mulheres em todas as regiões do mundo continua a ser um problema grave, acentuado pela migração da comunicação para o mundo online (onde o assédio é comum, muitas vezes possibilitado ou estimulado pelo anonimato e pela impunidade) durante a pandemia.
Em 2020, observou-se que três quartos das jornalistas mulheres foram vítimas de abuso e assédio online. Esse apontamento aparece no Relatório Global de Expressão que indica ainda um declínio global da liberdade de expressão e de imprensa.
Pandemia escancarou o vírus da desinformação
Dois terços da população mundial vivem hoje com a sua liberdade de expressão totalmente ou parcialmente cerceada. Ainda segundo o Relatório Global de Expressão, a pandemia atingiu o mundo em um momento já repleto de censura e cerceamento, o que culminou na pior situação de expressão da década, com cerca de 61% dos países analisados no relatório classificados como em crise ou com altas restrições.
Em nosso país a situação também se agravou. Apenas em 2020, em meio à crise sanitária, Jair Bolsonaro emitiu 1.682 declarações falsas ou enganosas, uma média de 4,3 por dia, contribuindo para o aumento dos casos de contaminação da doença, de óbitos e causando uma crise de informação no Brasil. No ano anterior, foram cerca de 500 declarações do tipo. O Brasil teve um declino significativo de 2010 para 2020 de -36 pontos. Maior até do que o das Filipinas que foram de -28 pontos.
Na América Latina, a pontuação regional atingiu em 2020 o nível mais baixo em uma década: 64 pontos. Assim como no Brasil, o relatório mostra que os ambientes de informação foram saturados pela negação de evidências científicas, aumentando ainda mais a desinformação em torno da pandemia.
Além disso, ao todo, foram registrados 264 assassinatos de defensores dos direitos humanos em 2020 na América Latina, sendo a maioria ligada a defensores de direitos indígenas e à terra.
Governos usaram a pandemia como cortina de fumaça
Os direitos de expressão e informação forma altamente impactados pela pandemia. Algumas restrições aos direitos humanos foram necessárias por motivos de saúde pública — mas muitos governos usaram a pandemia como uma cortina de fumaça.
No Brasil, a insistência em desacreditar a mídia e as normas de saúde para controle, muitas vezes foram estratégias para esconder problemas de gestão e escândalos. Muitos governos, como o nosso no Brasil, pareceram mais interessados em controlar a narrativa do que em controlar o próprio vírus.
Dois terços dos países impuseram restrições à mídia em resposta à pandemia. Em 2020, 62 jornalistas foram mortos e houve um número recorde de prisões (274). Jornalistas, blogueiros e denunciantes foram presos (muitas vezes de forma arbitrária), detidos e processados por criticar as respostas dos governos à COVID-19.
A maior parte dessa violência e assédio aconteceu em um contexto de total impunidade. A maioria dos assassinatos de jornalistas nem chega às manchetes da mídia internacional. Além disso, o estudo mostra que o vírus também representou um novo risco para jornalistas: a própria infecção pela COVID-19. Muitos não receberam proteção adequada.
Por tudo isso, o fato de dois jornalistas receberem o Nobel da Paz demonstra o reconhecimento a grande importância que imprensa teve nesse cenário global no combate ao vírus da desinformação.