Se existe uma lição dos últimos três anos para organizações e gestores, é de que a forma como trabalhamos e nos relacionamos ainda vai mudar muito mais. Segundo uma pesquisa da Mckinsey, 27% dos funcionários apontam a “falta de reconhecimento” como principal motivo para pedirem demissão.
Motivação que tem suas raízes nos valores e práticas reproduzidas e estimuladas, o que se torna ainda mais evidente quando consideramos as três principais razões para os pedidos de desligamento (FIA Employee Experience 2022):
- Valores divergentes e falta de ética;
- Ausência de inclusão, diversidade e respeito pelo ser humano;
- A empresa não cumpre o que promete.
O terceiro revela um ponto sensível das organizações e a principal fonte de crises de imagem e confiança na marca empregadora projetada pelas empresas.
Ainda que os itens tenham forte conexão com políticas de compliance e de diversidade e inclusão, todos perpassam pela cultura organizacional, que é construída e reforçada todos os dias.
É aos valores e comportamentos reproduzidos que gestores de recursos humanos e cultura organizacional devem dedicar maior atenção. Esses dão origem a situações de crise que se propagam internamente e nas mídias sociais, onde colaboradores atuais e potenciais podem engajar em debates dedicados a explorar contradições entre a marca empregadora projetada (discurso) e àquela que realmente acontece no dia a dia (prática).
O discurso da marca empregadora
A base para a promoção de qualquer marca empregadora é Proposta de Valor para Empregado (Employee Value Proposition – EVP, em inglês), que reúne ambiente, estrutura, benefícios, remuneração, plano de carreira e outros elementos que constituem o conjunto de “ofertas” de uma empresa a seus funcionários e potenciais colaboradores. É a partir do EVP que as empresas podem desenvolver sua capacidade de atrair e reter os melhores talentos.
Muitas se destacam pela maneira como desenvolvem e promovem seu EVP, estabelecendo marcas empregadoras realmente atraentes e alinhadas em discurso e prática, como é o caso das 17 organizações que figuram no ranking global do Top Employers Institute.
Para que seja possível alcançar essa excelência, é preciso pensar além da marca ideal, que os talentos buscam como suas empregadoras, e dedicar atenção à marca real, construída e sedimentada diariamente. Neste contexto, a presença e projeção digitais devem ser encaradas como recursos para compartilhar histórias das pessoas que fazem essa “marca real”, ao invés de canais para reprodução do discurso estruturado.
Seja por meio de conteúdo produzido e compartilhado pela própria empresa em seus perfis no LinkedIn, Instagram, Facebook e outras mídias, ou dos depoimentos e avaliações publicadas pelos próprios colaboradores em seus perfis e em plataformas como Glassdoor, a construção (e desconstrução) da marca empregadora acontece a todo o tempo nas redes.
“Ao falarmos de marca empregadora estamos falando de percepção e a percepção é construída com base em fatos e comportamentos reais”, declara Denise Pragana, Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, pesquisadora da influência da comunicação nos vínculos organizacionais e consultora do Grupo Trama Reputale.
Ainda segundo a pesquisadora, “o que acontece internamente transborda para o mundo externo e vice-versa. Caíram as barreiras informacionais. Por conta disso, as estratégias narrativas não podem ser desenvolvidas com base em promessas na fase da atração de pessoas e no onboarding, e não se sustentarem na forma como as pessoas são tratadas depois que aceitam trabalhar para aquela empresa que “vendeu” uma falsa versão de si mesma”.
Agir em conformidade com o discurso não deve acontecer apenas para evitar situações de crise, assim como adotar ações adequadas quando elas acontecem, não deve ser a prioridade daqueles que estão à frente das empresas.
Mais do que prevenir ou reagir, gestores precisam conhecer melhor o atual momento para a construção e manutenção de marcas empregadoras, enquanto compreendem melhor o perfil e anseios dos talentos de hoje e dedicam atenção à cultura organizacional que nutrem e o senso de pertencimento e comprometimento que despertam.
“A comunicação corporativa, digital e interna pode ajudar nessa construção a partir de alguns processos. Minha pesquisa de doutorado identificou alguns fatores comunicacionais que podem contribuir para a construção do vínculo do comprometimento que, por sua vez, pode projetar uma marca empregadora. São eles: a existência de diálogo, relacionamento e respeito por parte da empresa para com o empregado e práticas de comunicação que deixem claras as metas e objetivos do negócio, com o respectivo reconhecimento pelas metas alcançadas pelas pessoas. O comprometimento organizacional é resultado do orgulho de pertencer, da satisfação pessoal e da identificação com o propósito e valores organizacionais”, conclui Pragana.
A crise do discurso x prática
Casos recentes como o do Pic Pay e da Stefanini Brasil, nos quais colaboradores compartilharam sua experiência com a empresa ao serem desligados e ganharam amplo alcance nas redes (incluindo manifestações de outros colaboradores e ex-funcionários), mostram os riscos do desalinhamento entre a oferta declarada no EVP e a prática do dia a dia.
É claro que esses podem ser apenas casos isolados, mas representam o potencial do impacto quando as práticas internas não vão ao encontro das mensagens-chave (ausência de lastro para o discurso) e promessas publicizadas pelas empresas em seus esforços de comunicação para marca empregadora.
Grande parte dessas situações de crise têm sua origem em comportamentos e ações inadequadas por parte de lideranças internas, seja por desconhecimento das normas e discurso propagados pela organização ou formação deficitária nas melhores práticas de liderança, relacionamento e gestão de suas equipes. O que pode ser desenvolvido por meio de formação e participação em atividades contínuas de comunicação, como em conselhos temáticos ou rodas de empatia.
A exposição dos bastidores das empresas por colaboradores insatisfeitos ocorre porque “as pessoas não ficam mais retraídas e caladas, sofrendo isoladas, elas se manifestam nas redes sociais, colocando publicamente suas opiniões e críticas. E isso traz um enorme impacto negativo para a imagem e reputação das empresas no mercado. Porque são expostas ao próprio comportamento indevido e ao escrutínio de milhares de pessoas que vão se posicionar a favor de quem sofreu a agressão moral”, afirma Flávio Schmidt, Coordenador da área de Gestão de Crises do Grupo Trama Reputale.
Prevenir crises decorrentes da exposição nas mídias sociais, nas palavras de Schmidt, demanda um único fator comportamental por parte das organizações: o bom senso.
“É preciso se conscientizar de que os tempos mudaram e ter atitudes de real valorização das pessoas, especialmente de seus funcionários”, declara Schmidt.
Em meio a uma crise de confiança na marca empregadora, não há outro caminho a não ser assumir a reponsabilidade pelo fato que originou a ruptura, declarando sua posição diante do necessário ajuste de conduta e demonstrando, de maneira pragmática, como pretende agir para minimizar os impactos para as partes prejudicadas e evitar ocorrências similares no futuro, envolvendo os colaboradores em todas as etapas. Ceder a ânimos alterados e entrar em discussões e embates online sobre o tema, nunca é o melhor caminho na gestão de crises de imagem.
“No processo de planejamento de riscos os funcionários devem sempre ser ouvidos e identificadas suas percepções e expectativas para embasar novas políticas, regras, programas e, até mesmo, valores. Com base nas percepções de risco identificadas, num estudo como esse, a empresa terá plenas condições de planejar seus programas e projetos e se preparar para resultados efetivos seguros, porque vão refletir o estado do ambiente interno”, conclui o consultor.