Tudo aconteceu muito rápido. Primeiro veio o choque e a constatação de que a pandemia era global, real e o isolamento uma imposição necessária. Em seguida, a adaptação aos modelos de trabalho remoto, praticamente do dia para a noite.
Passados os primeiros meses, vieram as certezas: a pandemia demoraria a ir embora – e ainda está aí! – e, finalmente, a descoberta de um ganho: o home office, como uma certeza ainda mais duradoura, veio para ficar.
Sobre o tema, conversamos com Rogério Babler, sócio e diretor geral da mhconsult e sócio do Instituto de Neuroliderança. Para o consultor, ocorreu uma digitalização acelerada das rotinas, mas nossas cabeças ainda são analógicas.
A velocidade das mudanças associada à queima de etapas preparatórias, nos colocaram diante de um desafio urgente. Ainda mais imediato se pensarmos em termos liderança e construção de uma cadeia de responsabilidade saudável e positiva, em um cenário de gestão à distância.
Crítica à futurologia!
Babler conta que temos a tendência natural é de nos deixarmos levar pela situação. “É do campo da neurociência que, durante 95% do tempo, trabalhamos no automático, no subconsciente“, e faz um alerta às áreas ligadas ao desenvolvimento humano e organizacional, lembrando que seus profissionais não podem se deixar levar, tendo, neste momento de tantas mudanças, o dever de serem os protagonistas da transformação“. Ou seja, têm a missão de olhar de maneira consciente cenários internos e externos e separar o que será aproveitado e reajustar processos e, principalmente, mentalidades: nossas rotinas estão digitais, nossas cabeças ainda não.
O consultor reforça que qualquer tipo de exercício de futurologia – alguém falou em “novo normal”, aí? – é perda de tempo e energia diante da realidade que está posta, complexas em desafios e rica em oportunidades.
Modelo Mental
Contra qualquer tipo de “receita de bolo” ou generalizações rasteiras, Babler faz questão de frisar que cada organização tem sua própria jornada a percorrer na evolução de seus processos internos, sobretudo na relação organização x liderança x equipe. Mas, compartilhou com a gente um “modelo metal” que costuma utilizar e que pode ajudar profissionais a encontrarem o próprio caminho.
“Não são fórmulas no sentido de receita de bolo, mas esquemas mentais que ajudarão o gestor ou a equipe de Recursos Humanos e Comunicação a enxergarem um caminho lógico, analítico e racional de como encaminhar suas demandas, abandonando um modelo reativo para uma forma muito mais segura de construção de narrativas e alinhamentos de processos, levando em conta a realidade da organização e a capacitação das pessoas que dão sentido a esta mesma organização”, resume.
Papel do RH/DHO/Comunicação:
1- Reconhecer o problema: diagnóstico
O ponto de partida é reconhecer o “pessimismo instalado“. Para o especialista, somos pessimistas enquanto espécie, como fator natural de defesa, cabendo aos profissionais a missão de descolar-se do senso comum e identificar as narrativas diretas e indiretas em sua organização, perceber as impressões e reclamações (excesso de trabalho, falta de clareza).
“Nesse sentido, as percepções são objetivas, é momento dos RHs assumirem uma postura crítica, olhar para os lados e identificar: o quão pessimista ou otimista a organização está? Agora é visão preto no branco“, avalia.
E complementa: “É preciso uma reflexão nas organizações que faça também sentido para toda a sociedade. Se a provocação posta pela organização faz sentido para mim como gestor e também como pai ou marido, é porque está no caminho certo. Nesse sentido, a organização estará deixando um importante legado.”
2- Orientar a organização ao propósito
As áreas devem orientar e apoiar a organização a conectar soluções aos seus respectivos propósitos. “É a oportunidade para abandonar de vez a postura executiva para uma analítica, crítica. Temos um futuro de curto e médio prazos a endereçar trocando o quê pelo para quê. Tem vacina? Quando? Como faremos, voltaremos?… de nada adianta informar, é preciso responder essas perguntas olhando para o propósito da empresa: para quê voltaremos? Para quê queremos reuniões presenciais? Para quê faremos reuniões digitais?”, e explica: o porquê remete ao processo, o para quê remete ao propósito, à motivação, ao fundamento, ao que é essencial.” Se fizermos a pergunta certa, com certeza teremos as respostas certas”, conclui.
3- Ajudar na construção de narrativas otimistas
Após uma reflexão profunda e olhar para o propósito daquilo que faremos, é momento de construir uma narrativa positiva, otimista e racional. Baber esclarece: “Não se trata de ser Poliana, mas de sermos extremamente estratégicos. Sem uma narrativa orientada por um propósito consistente e otimista, qualquer decisão cairá na vala comum da narrativa pessimista.”
E vai além, afirmando que não existe mudança sem um pensamento que a anteceda. “Se eu não ajudo a criar a narrativa, eu serei usado pelas narrativas que já estão aí. E todo o meu esforço se esvai.”
Cinco Passos para uma Liderança baseada em Accountability
1º Passo: Propósito
“Por que as coisas na empresa se apresentam desta forma? Se eu enxergo propósito naquilo, estou pronto para dar o segundo passo e construir uma relação de confiança com a minha equipe. Com o processo de digitalização ou você confia ou você vai encher a organização de processos, vai burocratizar a rotina, engessar as pessoas…”
2 º Passo: Confiança
“É a pressuposição da intenção positiva do outro. Você tem que escolher acreditar que seu liderado está bem-intencionado. Confiança é um sentimento, mas tomamos a liberdade de criar uma regrinha básica: Confiança é igual à credibilidade (no sentido de histórico, de reputação construída) vezes confiabilidade (como capacidade técnica, habilidade) e, finalmente, intimidade (aquele algo a mais que só o tempo traz, que é você saber exatamente naquilo que o membro do seu time tem de melhor, suas habilidades e características pessoais). Tudo isso dividido pelo risco, que é o único fator que não está na mão das pessoas.”
“Do ponto de vista da gestão, se o risco é muito alto, a confiança perde peso na equação, e, dependendo da análise, é o momento em que o líder deve novamente assumir as rédeas, aumentar o controle e pesar sua mão.”
“Quando há risco, o líder deve intervir, porque isso implica impacto para o negócio, e se isso estiver claro para a equipe, não haverá problema nenhum, pois todos estarão compartilhando um mesmo propósito.”’
3º Passo: Autonomia
“Se entrarmos no detalhe de como cada um está tocando suas demandas, eu vou ficar louco e deixar minha equipe também. Cabe ao líder inspirar essas pessoas sobre o propósito daquilo que elas estão fazendo, e dentro de uma relação estabelecida na confiança, posso dar o terceiro passo, que é deixar que as pessoas definirem o como.”
“Isso também não tem nada de bondade, é estratégico, eficiente e produtivo, uma relação que busca o melhor para todos!”
“Dessa forma, o líder sai de um modelo de comando e controle para um de confiança e autonomia, dar espaço para as pessoas desenvolverem o próprio caminho.”
4º Passo: Colaboração
“Diferente de trabalho em equipe, que pressupõe que cada um conhece e realize suas atividades. Colaboração vai bem além, e pressupõe propósito, confiança e regras simples. Regras simples que, por sua vez, pressupõem autonomia. Tudo está interligado.”
“Colaboração, assim, se dá quando o líder ao invés de criar processos, opta por pequenas regras, micro processos, deixando a equipe livre para chegar, em conjunto, a um objetivo comum.”
“Com isso eu elimino a burocracia e deixo a verdadeira colaboração acontecer, aquela em que o profissional pensa vou fazer o meu trabalho e ajudar o meu colega a fazer o dele. E mais, não se trata apenas de ajudar, mas de saber como ajudar, pois, existe uma construção em cima de bases compartilhadas. ”
5º Passo: Inovação
“Esqueça a questão de pensar fora da caixa. Inovação para acontecer, depende da consolidação de um modelo mental que já escalou todos os degraus anteriores: propósito, confiança e colaboração. Sem qualquer um desses elementos, não a inovação.”
“Como o líder consegue chegar até aí? Primeiro tem que querer, depois de gostar de gente, se você não gosta de gente, se você se irrita quando demandado, a liderança não é natural para você. Novamente a conexão organização x sociedade fazem todo sentido: “o exercício da empatia essencial à liderança começa em nossas relações sociais, se você é bom pai, você será bom líder, se você tem respeito pelo seu porteiro”.