Nos últimos tempos, os termos diversidade e inclusão ganharam destaque no meio empresarial. Eles passaram a ser discutidos em diferentes segmentos, gerando debates importantes sobre a importância das marcas se posicionarem a partir de uma mudança real e sem a apropriação de uma causa, usada apenas para aparecer em datas específicas.
Esse movimento faz parte também de uma mudança de comportamento do consumidor, que não quer apenas comprar um produto ou serviço, mas se relacionar com uma empresa que compartilhe com suas ideologias.
O que os consumidores esperam das empresas
A preocupação com o propósito da marca e a forma como ela contribui para um mundo melhor se tornou parte fundamental de uma decisão de consumo.
Os temas ligados a diversidade passaram a ter mais reconhecimento, desde que as organizações apliquem isso de forma verdadeira dentro do negócio. Nesse sentido, um estudo plurianual realizado pela PwC investigou os programas de inclusão dentro das empresas e seu impacto na experiência dos stakeholders.
Com essa demanda, 76% das empresas entrevistadas disseram que os assuntos estão sendo trabalhados com prioridade.
Apesar do índice alto dessa promessa, na prática não é bem assim que o mercado tem se comportado. A dúvida que fica é se estamos abrangendo todos os pontos importantes na hora de falar sobre diversidade e inclusão.
Entre as pautas, será que a comunidade trans está efetivamente inserida nesse debate e se sente representada?
População T no Brasil
Em um País considerado o que mais mata transexuais no mundo, ainda temos que percorrer um logo caminho no combate ao preconceito em relação à transição de identidade de gênero. Os números são tristes e refletem o ciclo que a população da sigla T vive no Brasil.
De acordo com o boletim divulgado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o Brasil registrou 89 assassinato de pessoas trans durante o primeiro semestre de 2020. Esses dados representam um aumento de 39% de casos notificados em relação ao mesmo período do ano de 2019. O número pode ser ainda maior se levarmos em consideração que não são computados casos de subnotificação nesses registros.
Podemos dizer que já tivemos alguns avanços no País, como a conquista do nome social e a criminalização da LGBTIfobia. Porém, precisamos fazer mais para conscientizar a população quanto aos direitos dessa comunidade, assim como amplificar as vozes das pessoas trans.
Os influenciadores trans
As redes sociais colaboraram um pouco para que a comunidade trans fosse ouvida. Com isso, as pessoas passam a seguir e apoiar diversos influenciadores e figuras públicas, dando espaço para escutar, aprender e entender a importância de todos os debates sociais. Afinal, majoritariamente, o preconceito é fruto de desinformação.
Uma das coisas que podem colaborar para a desconstrução do imaginário social negativo é a visibilidade trans na mídia e em campanhas digitais, pois isso aproxima a sociedade da vivência trans, que pode ser muito próxima da do público.
Compromisso das marcas com a inclusão
Por isso é importante que as marcas tenham esse compromisso com a inclusão em campanhas. Um estudo recente mapeou os influenciadores trans para ter uma dimensão desse universo.
Ao todo, conseguiram 189 respostas concentradas na idade entre 18 e 35 anos (86,8%). A maior parte dos respondentes (42,3%) é composta por nano influenciadores, que possuem menos de 10 mil seguidores. Micro (de 10 a 100K) somam 21,7% e Meso (de 100k -500k) são 3,7%. Mega Influenciadores (acima de 1M): 0,5%. Ou seja, eles existem e é possível incluí-los em sua campanha.
Campanhas com influenciadores trans
O mesmo estudo que fez o levantamento sobre o universo de influenciadores trans revelou que a maioria deles nunca foi chamado por uma marca para uma ação publicitária.
Se pararmos para pensar, esse estudo levanta um ponto problemático: em geral, as organizações pretendem falar sobre diversidade, mas não estão trazendo pluralidade ao marketing de influência.
Outro ponto que o estudo constatou é que as marcas costumam chamar os influenciadores trans para participarem de ações que se restringem ao mês do Orgulho LGBTQIA+, comemorado em junho.
O levantamento mostra ainda mais sinais de alerta, pois 45,5% dos entrevistados não realizaram nenhuma campanha digital para marcas nos últimos seis meses, enquanto 11,1% desenvolveram apenas uma ação publicitária.
Agora quem vai falar é quem sente na pele
Para entender o cenário apontado na pesquisa, conversamos com o Jonas Maria, que é escritor, educador e produtor de conteúdo online sobre transexualidade, gênero, estudos e afins.
Jonas Maria, escritor, educador e produtor de conteúdo sobre transexualidade e gênero.
Como você enxerga as campanhas de marketing de influência atuais e quais são os próximos passos para evoluirmos com ações mais diversas?
“Tenho acompanhado de perto o mercado de influência há uns quatro anos, e apenas nos últimos dois que comecei a ver mais criadores trans em campanhas de marketing, sendo que, ainda assim, a grande parte atua apenas em junho, mês do Orgulho LGBTQIA+. Acredito que isso se deu, e ainda se dá de certo modo, pela falta de contato das pessoas com a questão trans. Muitos criadores falam sobre ser trans, e poucas pessoas se interessam sobre isso. Muitos de nós também possuem números não tão grandes, dá para contar nos dedos os que tem mais de 100 mil, creio que isso acabe afastando as marcas mais focadas em performance. No entanto, criadores pequenos têm grande potencial, podendo ajudar na construção de branding, por exemplo. Outro ponto positivo é que, por se tratar de grupos pequenos, temos uma comunidade muito engajada e nichada. Eu, por exemplo, tenho mais de 70% da minha comunidade composta por pessoas LGBTs.”
Quais os próximos passos que temos que dar para evoluir na inclusão de influenciadores trans em campanhas de marketing de influência?
“Uma crítica constante que é feita por nós é em relação a utilização da nossa imagem apenas em datas comemorativas, como Dia da Visibilidade Trans, em janeiro, e em junho, que é o mês do Orgulho. Todo ano o público já sabe que isso será feito e sempre reacende o debate sobre o pink money, que se refere ao poder de compra da comunidade LGBT+ e que as marcas se aproveitam, mas sem qualquer responsabilidade. Muitas marcas fazem produtos e se posicionam apenas em junho, ignorando todos os outros meses. Um passo importante seria incluir os influencers trans em ações no decorrer do ano, como parte da estratégia, mostrando que há comprometimento e que de fato valoriza e promove a diversidade. Em campanhas maiores, seria interessante também dedicar uma parte da ação para ajudar ONGs e coletivos, que sempre necessitam de ajuda financeira pelo trabalho que fazem. Isso traz credibilidade para a marca, comunica engajamento e responsabilidade social.”
E sobre cocriação no marketing de influência? É possível construir conteúdo em conjunto com as marcas?
“Acredito ser importante a cocriação. A marca deve estar aberta ao diálogo e entender que o criador pode colaborar e muito para a sua campanha. Sei que pode haver um receio, às vezes a ação é muito grande, está conectada a um objetivo maior e o criador não é um estrategista, mas ele conhece seu público e comunidade, sabe quando certas coisas precisam ser mudadas, sabe quando certos sentidos podem soar estranhos e não funcionar bem. É preciso estabelecer uma relação de confiança. Eu sempre me ofereço para ajudar, seja de modo casual ou por meio da consultoria. A última vez que cocriei com uma marca, que estava lançando um produto específico e sensível para o público transmasculino, tivemos um retorno incrível. Todos ganham.”
O papel do mercado na transformação social
Jonas Maria utilizou uma frase durante o bate-papo que sintetiza bem como o mercado da publicidade tem um papel enorme na transformação social:
“Os publicitários sabem do impacto do marketing e da publicidade na sociedade, de como isso interfere não só no nosso consumo, mas também no nosso imaginário coletivo”.
É necessário romper o abismo que existe entre o produtor de conteúdo trans e as marcas. Falar sobre esse assunto é fomentar esse movimento tão importante. Afinal, se não conversamos sobre algo é como se não existisse.
Bônus 😉 Campanhas Publicitárias com T de transformação
Para te inspirar, separei algumas campanhas publicitárias realizadas com a população trans, para ficar ainda mais claro para você o quanto a sua empresa também pode embarcar nessa história:
#ConviverTransforma – Respeita Meu Nome. Google chamou atenção a um elemento importante para pessoas trans: o respeito aos seus nomes.
“True Colors”, criado para o Grupo Gay da Bahia. Campanha premiada em Cannes sobre um pai trans e seu filho.
Com a campanha #whatsyourname, a Starbucks exaltou a importância do nome para as pessoas trans.
Com tudo isso em mente, é importante que você olhe para dentro da sua empresa antes de qualquer coisa. Você considera a sua marca diversa? Se você for falar sobre diversidade, essa comunicação será de dentro para fora ou será superficial?
Depois de tudo que falamos, tire do seu cronograma contratar influenciadores trans apenas no mês da visibilidade trans, pense além de uma estratégia pontual. É necessário que as marcas se posicionem e mostrem de forma genuína seu pilar de diversidade.
É sobre isso que precisamos refletir!
