Com a função principal de oferecer viscosidade à formulação, o amido é um ingrediente indispensável para a fabricação de molhos, sopas e sobremesas pela indústria alimentícia, mas seu papel pode ir além, principalmente quando utilizado em outras categorias de produtos. Em panificados, o uso desta fonte de carboidrato é amplo e pode contribuir desde a extensão do shelf life até para a criação de produtos sem glúten e veganos.
Com a possibilidade de ser modificado, o amido se destaca entre as opções de ingredientes por sua tolerância a processos. “Em um produto que é pré-assado e congelado, destinado para o consumidor assar em casa, o amido é fundamental, pois é resistente a esse ciclo de congelamento-descongelamento. O amido consegue segurar a água durante o ciclo e manter as características de um produto que não foi congelado, ou seja, ele oferece uma estabilidade que evita que a matriz do produto seja impactada por esse ciclo de congelar e descongelar”, explica Henrique Ortuño Moreno, engenheiro sênior de serviço técnico da Tate & Lyle, fornecedora global de soluções e ingredientes para o mercado de alimentos e bebidas.
Em um cenário em que os consumidores prezam cada vez mais por conveniência, garantir o mesmo nível de qualidade entre um produto recém-preparado e um produto congelado pode fazer a diferença para o setor. Segundo dados da Associação Brasileira de Indústria de Alimentos (ABIA), as vendas de produtos desidratados e supergelados, segmento que inclui pratos prontos, semiprontos e alimentos desidratados, cresceram 5,6% em 2019, terceiro melhor índice do ano, ficando atrás apenas das categorias de carnes e derivados de cereais, chás e cafés. Um outro estudo, realizado pela Kantar Worldpanel em 2017, revela que 61% dos brasileiros optam por pratos congelados, prontos ou semiprontos.
Do forno às gôndolas
E não é só ao congelamento e descongelamento que o amido entrega funcionalidade. O ingrediente acumula funções na cadeia de produção e distribuição. Segundo Moreno, o polissacarídeo tem funcionalidades de processo.
“Em muffins e demais bolinhos, o amido propicia o controle de viscosidade da massa, o que vai ajudar no depósito do produto dentro das formas que irão ao forno. O ingrediente também pode controlar a incorporação de ar, interferindo na densidade específica do produto, podendo entregar diferentes texturas. No forneamento, o amido previne o boil-out, ou seja, evita que o recheio ou cobertura do bolinho ferva durante o cozimento, escorrendo ou formando bolhas enquanto o produto é assado. No caso dos cookies, as embalagens têm um tamanho padronizado em que os biscoitos têm que caber tanto no diâmetro como na altura. Os amidos instantâneos podem trazer uma uniformidade no processo de produção, ou seja, o ingrediente ajuda a manter a espalhabilidade do produto e a mesma altura dos biscoitos. Isso é fundamental, pois quando a gente forneia um biscoito ou um cookie, ele incha levemente, espalha e depois o inchaço diminui, deixando o formato do cookie mais achatado. O amido ajuda a garantir essa padronização no tamanho do produto final”.
O ingrediente também faz a diferença nas etapas de pós-produção, como transporte e vida de prateleira. “Por contribuir com a textura, o amido consegue deixar o biscoito menos frágil, oferecendo uma maior resistência à quebra durante as etapas de transporte até o ponto de venda. Já em bolos, ele preserva a umidade do alimento, evitando seu ressecamento durante todo o shelf life”, complementa.
Textura é um dos campos de atuação do amido. Além de ajudar a diminuir a fragilidade do biscoito, ele tem impacto nos níveis de crocância. “Em biscoitos, temos dois polos opostos, o crispy e o crunchy. Para crunchy, a referência é uma textura mais pesada, que quando você morde ou quebra o biscoito na mão, faz aquela quebra seca. É um produto que você ouve um som mais grave ao mastigar. Já para crispy, é uma textura mais frágil e aerada, ou seja, um produto menos denso, com uma estrutura mais leve. O amido te permite navegar entre o crispy e o crunchy, entre os diferentes níveis de crocância”, analisa o engenheiro de alimentos.
Mil e uma funcionalidades
Justamente por controlar textura, umidade, consistência e aparência do produto, o amido é indispensável para a formulação de alimentos, tanto em panificados, como nas demais categorias. Amidos modificados têm tradicionalmente a vantagem de oferecer maior funcionalidade que os amidos nativos. Já os nativos, permitem a identificação simplificada no rótulo, designados como “amido de milho” ou “amido de mandioca”, o que está em linha com uma das principais tendências da indústria alimentícia: a adoção de rótulos limpos.
“Hoje, já há no mercado de ingredientes um portfólio vasto de amidos com diferentes características, que variam desde o tamanho da partícula até outras especificidades, como o tipo de modificação ou o processo pelo qual ele passou”, esclarece o especialista da Tate & Lyle. Segundo ele, a empresa fornece uma ampla gama de amidos modificados, nativos e funcionais, auxiliando os clientes na seleção do mais adequado para cada aplicação.
“O amido funcional da linha CLARIA®, por exemplo, oferece performance similar a dos amidos modificados, mas com a vantagem de poder ser comunicado de forma amigável no rótulo”, pontua.
Potencial a ser explorado
Mesmo já tendo na bagagem diversas funcionalidades, o amido continua a ser um ingrediente com um enorme potencial a ser explorado. Segundo o especialista da Tate & Lyle, duas tendências oferecem ainda mais campo para a aplicação do polissacarídeo: gluten-free e a formulação de produtos veganos.
“Para pães sem glúten, a substituição da farinha de trigo pode ser feita com um mix de diferentes tipos de amidos e farinhas sem glúten. O amido contribui com a estrutura e com o volume, ajudando o produto gluten-free a ficar o mais próximo possível do original. Já no caso de produtos veganos, são muitos os ingredientes a serem substituídos, e, por isso, encontramos aí grandes oportunidades de aplicação do amido, como na substituição do ovo”. E se depender da indústria de ingredientes, funcionalidade para o amido não vai faltar.