*Franscisco Saboya
No Brasil e em outras partes do mundo tem havido uma utilização inadequada dos conceitos de Economia Criativa. Parece ser moda e ninguém quer ficar fora dessa onda. Assim, tudo que era tratado tradicionalmente no âmbito da produção e promoção cultural agora se transformou subitamente em Economia Criativa, o que passa a impressão enganadora de que estamos fazendo muita coisa, gerando muito emprego, garantindo renda para milhões de pessoas. Não temos estatísticas confiáveis que evidenciem o quanto vem realmente sendo feito nesse campo. E também não cabe aqui uma discussão conceitual. Mas arrisco dizer que não iremos muito longe se não rompermos com a cultura da cultura subsidiada e dependente de renúncia fiscal; não avançaremos se persistirmos no modo informal e assistemático do "negócio criativo" convencional, no qual sobram voluntarismo, amadorismo e improviso.
Devemos diferenciar as expressões culturais que necessitam de apoio para sobreviverem – e apoiá-las é uma forma de assegurar a identidade cultural da nação – daquelas que também representam a alma do povo brasileiro, mas que rodam muito bem sob a lógica do mercado de consumo. Para nosso infortúnio, são essas que têm merecido mais a atenção dos gestores públicos na hora de decidirem sobre a alocação de recursos. Temos que ser mais seletivos em relação ao que exatamente devemos apoiar com recursos do tesouro ou de renúncia.
No cenário da Economia Criativa existem dois atores que devem ser considerados em suas especificidades: o criador, que possui seu modo peculiar de fazer o que o seu talento comanda, e o produtor, que conecta a criação com o mercado consumidor. E é o produtor que tem por obrigação profissionalizar-se se quiser realmente fazer parte do universo da Economia Criativa. Entender de mercado, negócios, contabilidade, resultados financeiros de operações culturais, dentre outras coisas que assombram os artistas, mas que são um dever para quem os assiste no esforço de sobreviver do seu talento.
Esse raciocínio remete a um segundo aspecto igualmente relevante. Trata-se aqui de identificar e estruturar mais efetivamente os segmentos da Economia Criativa que possuam maior capacidade de geração de valor. Existe um mundo de possibilidades de negócios que derivam da combinação entre criatividade e tecnologia. O Brasil excede em ambos os aspectos, mas não há ainda políticas e estratégias públicas ou privadas em escala sustentável para fazer desse capital uma fonte real e perene de geração de riqueza para o país. Conhecemos apenas superficialmente o potencial de mercado existente e não aprendemos com os casos bem sucedidos em escala global.
A indústria de jogos digitais, por exemplo, – que é uma das expressões mais interessantes da conjunção entre as artes criativas e tecnologias de informação, e que resignifica outros segmentos como animação e advertising – caminha para um faturamento de U$ 100 bi, e isso é, sozinho, cerca de 15% do mercado estimado da Economia Criativa. Mas o Brasil segue com políticas tributárias que oneram demasiadamente a importação de softwares e equipamentos para essa indústria. O que resulta numa participação insignificante do país nesse mercado bilionário.
No cenário mundial, o Brasil é visto de forma generosa e simpática; afinal, somos o país da música, do carnaval e do futebol. Nesse terreno vale a ginga, a malícia, o jeitinho e tudo o mais que, no nosso país, recebe o nome de criatividade. Mas que prefiro chamar de improviso. E aí vem a segunda perspectiva, a econômica, aquela que endereça as questões fundamentais da geração de emprego e renda a partir do talento desse povo realmente criativo, da capacidade de gerar valor a partir da criação original. Aqui a gente vai mal. Basta ver as estatísticas da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento). O Brasil simplesmente não aparece, ou seja, não conseguimos – salvo as exceções de sempre, relacionadas às músicas sertaneja e baiana – gerar negócios sustentados nem no mercado interno.
Para que o Brasil se destaque no mercado da Economia Criativa falta, acima de tudo, lidar com esse assunto com menos preconceito. Historicamente, cultura e economia se excluíram mutuamente. Os repertórios ainda são muito assimétricos. De uma forma geral, os formuladores de políticas públicas e criadores, a visão negativa do conceito de "indústria cultural" exerce um peso muito grande. Isso é compreensível, se considerarmos os inúmeros exemplos de padronização estética, massificação de baixa qualidade e subordinação da criação à lógica econômica mais voraz. Mas já é tempo de mudarmos essa percepção. O conceito de Economia Criativa nasce num contexto diferente daquele da indústria cultural, impregnado da racionalidade da sociedade industrial. Agora, parece evidente que, com tantos dispositivos tecnológicos cada vez mais amigáveis e de baixo custo, associados à assombrosa capacidade de dis seminação de conteúdos da Internet, já se pode pensar em criação original, independência autoral, escala de consumo e geração de valor, tudo ao mesmo tempo. Com as novas mídias, a figura do distribuidor, daquele intermediário satânico, perde poder, em especial nas indústrias gráfica e fonográfica, no audiovisual e nas novas expressões das artes digitais. Penso que é hora de uma boa orquestração entre políticas públicas mais focadas nos mercados, criadores mais abertos ao novo e produtores menos dependentes de editais como fonte de financiamento da produção cultural.
Francisco Saboya é presidente do Porto Digital, parque tecnológico sediado em Recife (PE) que abriga, atualmente, cerca de 200 empresas e organizações de serviços associados. No perímetro do polo será instalada a incubadora PORTOMÍDIA, focada em Economia Criativa.
Sobre o Porto Digital
O Porto Digital é um dos pilares da nova economia do Estado de Pernambuco, com 200 empresas que faturaram uma média de R$ 1 bilhão (2010) e empregam mais de 6.500 pessoas. Sua atuação se dá em atividades altamente intensivas em conhecimento e inovação, que são software e serviços de tecnologias da informação e comunicação e economia criativa, em especial os segmentos de games, multimídia, cine-vídeo-animação, música, design e fotografia, além de propaganda e publicidade.
Considerado uma referência na implementação do modelo da ‘triple helix’, o Porto Digital é fruto de uma ação coordenada entre empresas, governo e academia, que resultou, após 10 anos de sua fundação (2000), num dos principais ambientes de inovação do País.
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