Para colocar a tríplice hélice em funcionamento é necessário alinhar políticas industriais e de inovação para facilitar a colaboração
*Por Sergio Risola
Imagem ilustrativa. Crédito: Divulgação
O coronavírus escancarou a urgência do Brasil em investir em ciência e inovação. Para lidar com o que pode ser um dos desafios mais importantes de nossos tempos, a inovação nesse momento está salvando vidas, mas pode salvar muitas mais, atendendo à necessidade crescente do país por respiradores, medicamentos, equipamentos hospitalares, testes, vacinas e até Equipamento de Proteção Individual (EPIs) para enfrentar a Covid-19.
Relação entre empresas, universidades e governo para inovação
Para solucionar este e muitos outros problemas brasileiros, o país precisa aumentar significativamente seu investimento em ciência e inovação e fortalecer a chamada Tríplice Hélice, que conecta empresas, universidades e governo, e permite a geração e a transferência de conhecimento científico para promover inovações que efetivamente atendam demandas da sociedade. Claro, que, trazemos essa necessidade de investimentos independentemente da realidade que vivenciamos nesses tempos e cientes da situação orçamentária federal e estadual pelos tempos à frente.
Nesse contexto, o período em que vivemos está demonstrando a fundamental importância de organismos do Ecossistema de Inovação como Parques Tecnológicos e Incubadoras que aproximam e verdadeiramente misturam startups de universidades, institutos de pesquisa, indústrias e de tantas outras organizações. Destaco a contribuição dos Institutos de Pesquisa, como o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) E o TECPAR (Instituto de Tecnologia do Paraná), que estão trazendo muitas soluções inovadoras para a sociedade.
Entretanto, o Brasil investe pouco em inovação. De acordo com Índice Global de Inovação, uma medição global do nível de inovação de cada país, a média de investimento em inovação é de 2,3% do PIB (Produto Interno Bruto). No Brasil, o investimento é de 1,28%. Desse total, as organizações públicas, como universidades, incubadoras e programas de incentivos estatais, recebem investimentos da ordem de 0,64% do PIB para pesquisas e desenvolvimento de produtos e serviços. Já as empresas e instituições privadas, contribuem com o mesmo percentual, 0,64%.
Incetivo para inovar
Existem muitas formas de incentivo à inovação. Em países que lideram o ranking, como no caso da Coréia do Sul, 11ª colocada, o governo isenta as empresas de pagamento de impostos, na mesma medida em que elas investem em inovação.
Para colocar a tríplice hélice em funcionamento no Brasil, com sucesso, primeiro é necessário alinhar políticas industriais e de inovação para facilitar a colaboração, entre empresas e universidades, concentrando tanto investimentos públicos quanto privados na obtenção de um objetivo estabelecido em conjunto. Ao citarmos esses atores públicos e privados necessários para fazer essa roda girar, cito o Movimento Empresarial pela Inovação, da CNI (Confederação Nacional da Indústria), que há 11 anos contribui para gerar estudos e indicadores em prol de políticas que gerem inovação e melhor uso dos recursos públicos e privados.
“Além disso, é importante que o ecossistema de inovação seja conduzido pela inteligência coletiva, já que a ciência e a inovação no campo da medicina, assim como outros campos, prosperam e avançam quando os pesquisadores trocam e compartilham abertamente o conhecimento.”
No Brasil, as universidades evoluíram, mas têm muito ainda a conquistar, e adotaram uma abordagem que associou a educação de seus estudantes às iniciativas relacionadas ao empreendedorismo. A nossa Universidade Pública é fundamental nesse trabalho de base que forma exércitos de pesquisadores que tocam a pesquisa básica, que, na sequência, se torna pesquisa aplicada, após o desenvolvimento, se transformando em inovação de produtos e serviços.
Nos institutos associados à universidades, ambientes como o nosso do Cietec, e tantas outras incubadoras dentro de universidades federais do nosso país, são fundamentais para transferir grande parte desse conhecimento que é gerado, iniciado e desenvolvido nas universidades, e por extensão delas, nos Institutos de Pesquisas, onde 99% dos pesquisadores veem das Universidades Públicas que estão ali ao lado deles como: USP (Universidade de São Paulo), Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Unesp (Universidade Estadual Paulista), UFABC (Universidade Federal do ABC) e etc.
Importância do setor privado investir em tecnologias no estágio inicial
E, destaco ainda mais um elo fundamental ou decisivo: o recurso público colocado nessas universidades e institutos de pesquisa pelas fundações de apoio à pesquisa. Aqui em São Paulo, temos a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo); no Paraná, a Fundação Araucária; em Santa Catarina, a FAPESC (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Santa Catarina), em Minas Gerais, FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) e, em todos os estados, as FAPs (Fundações de Amparo à Pesquisa) são parte dessa engrenagem virtuosa que faz acontecer ou gerar a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação.
A criação de produtos e serviços disruptivos ou com grande valor agregado exige o uso de tecnologia e inovação, como aconteceu com as startups Nubank e 99, que se tornaram as primeiras empresas brasileiras desse tipo a serem avaliadas com valor superior a 1 bilhão de dólares, as chamadas unicórnios.
Destaco um dos desafios enfrentados para traduzir o conhecimento científico e técnico gerado por essas ICTs (Instituições de Ciência e Tecnologia) envolvidas com pesquisas em novos produtos, processos e serviços para o mercado: o limitado número de parceiros no setor privado dispostos a investir ou apostar algumas fichas em tecnologias em estágio inicial, quer estejam ainda nas bancadas acadêmicas ou em ambientes como as incubadoras de startups vocacionadas para hard science ou deep tech, como o Cietec e algumas outras do nosso País.
Ressalto ainda que, no Brasil não temos estabilidade de fundos de financiamento para ciência e tecnologia, o que dificulta que as universidades planejem investimento em pesquisa. Talvez a criação de fundos de pesquisa fixos para áreas específicas possa ser uma boa opção. Manifesto nossa satisfação, no momento, quando finalizava esse artigo, para o decreto que regulamenta a Lei da Informática que vem, há anos, traduzindo-se num verdadeiro instrumento de apoio à inovação.
Além disso, independentemente desse momento de turbulência em tudo, a Samsung, que vem há quatro anos utilizando essa Lei da Informática, acaba de confirmar a continuidade do Programa de apoio e investimentos via essa lei.
Há muito espaço para aumentar a interação da tríplice hélice, mas como citei no início do artigo, creio que o momento é oportuno para se buscar iniciativas que as universidades possam adotar, exercendo sua autonomia, para se tornarem mais eficazes em educação, pesquisa fundamental e pesquisa em colaboração com institutos de pesquisa e, prioritariamente, com empresas.