Com a queda do número de casos de Covid-19 e o aumento do índice de vacinação, o Coronavírus começa perder forçar, permitindo que as pessoas retomem suas vidas e suas rotinas de encontros. A pandemia pode estar perdendo força, porém se perpetuará em alguns hábitos adquiridos nos tempos de isolamento social.
É o caso das reuniões via plataformas de videoconferência, que se tornaram o principal canal de comunicação em diversos ambientes corporativos e nos encontros de família e amigos. Seu uso em excesso, no entanto, acabou desencadeando um efeito colateral: a “Fadiga do Zoom”, que é nada menos que a exaustão ao final de um dia inteiro de trabalho com uma agenda recheada de chamadas virtuais.
“Fadiga do Zoom” não é “mi mi mi”
Sua existência foi comprovada pela Universidade de Stanford, dos Estados Unidos, por meio de vários estudos realizados com mais de 10.322 entrevistados. Um deles contou com 633 brasileiros – entre estudantes de uma universidade em São Paulo e funcionários de uma empresa da área financeira. O trabalho foi coordenado pela pesquisadora Anna Carolina Queiroz, com quem conversamos e cujo bate-papo você confere mais à frente nesse artigo.
O estudo revelou que sintomas como cefaleia, cansaço físico e mental, estresse e crises de ansiedade estão associados à Fadiga do Zoom. O que antes era interpretado apenas com um mal-estar aleatório, hoje é um alerta de que pode ser um sinal de exaustão causado pelo excesso de reuniões virtuais.
Esse assunto é de grande importância para as corporações, pois mesmo com a volta dos colaboradores às organizações, seja em modelo 100% presencial ou híbrido, as reuniões online continuarão existindo. O jeito, então, é aprender a conviver com essa realidade.
Como lidar com o volume grande de reuniões online
E é exatamente isso que muitas companhias, como a Kuehne + Nagel, estão fazendo, preocupadas com a saúde mental de seus profissionais. Cliente do Grupo Trama Reputale, a empresa global do ramo de transportes e logística, ministrou uma palestra sobre a nova síndrome para que seus profissionais soubessem lidar com o volume grande de reuniões online.
A sensibilização teve como foco instruir todos os colaboradores sobre agendamentos de encontros e treinamentos online, horários mais adequados, melhor aproveitamento dos recursos e a preocupação com o workload (acúmulo de trabalho) ligado a tal aspecto.
Para Adriano Zanni, diretor de Engajamento e Comunicação com Empregados do Grupo Trama Reputale, a pandemia fez com que as empresas ficassem mais atentas ao bem-estar de seus colaboradores no dia a dia, pois o estado permanente de cansaço pode evoluir para um esgotamento total, com prejuízos significativos para o corpo e a mente.
“Desde o início do isolamento social, trabalhamos muito a comunicação de nossos clientes para promover assuntos relacionados à saúde física e mental. Tudo de maneira genuína. E as reuniões online encadeadas ao longo do dia, de maneira sucessiva, sempre dominaram a agenda de preocupações, desde os primeiros diagnósticos colhidos”, lembra.
Zanni complementa:
“fizemos ações, campanhas e peças informativas para incentivar os colaboradores a terem uma rotina saudável, que inclui atividades físicas, respeito ao horário de expediente, eliminação de reuniões desnecessárias durante a semana, entre outros itens. Em alguns clientes, a área de Recursos Humanos, por exemplo, instituiu a sexta-feira sem Zoom. Um dia inteiro na semana onde a agenda de todos fica bloqueada para encontros pela plataforma”, detalha.
Pesquisa de Stanford aponta problemas
Para saber mais sobre a Fadiga do Zoom, falamos com a Anna Carolina Queiroz, pesquisadora que liderou o estudo da Universidade de Stanford. Em nossa conversa, ela contou quem sofre mais com a exaustão, apresentou os destaques do estudo no Brasil e ainda explicou como as empresas e as pessoas podem lidar com as reuniões realizadas via plataformas de videoconferência – ou melhor dizendo –, com o excesso delas. Confira a seguir.
As reuniões virtuais cansam mais que as presenciais? Ou, por conta da pandemia, as reuniões aumentaram, afinal o que era resolvido com uma simples conversa com o colega ao lado, acabou virando uma reunião virtual?
Há uma fadiga associada ao uso das videoconferências, o que chamamos de “Fadiga do Zoom”. A pesquisa revelou que tanto nos Estados Unidos, como no Brasil, as mulheres reportam mais fadiga de videoconferências do que os homens. Alguns fatos influenciam essa diferença, que acabam impactando mais as mulheres, como as pessoas se verem no vídeo o tempo inteiro, pouca locomoção (por ficarem muitas horas sentadas em frente ao computador), percepção de estarem sendo encaradas por diversas pessoas ao mesmo tempo e o uso demasiado de gestos para passar a mensagem por meio do campo de visão restrito da câmera.
Dos 10.322 entrevistados, 633 eram brasileiros. É possível fazer um recorte aqui e saber se os brasileiros estão mais (ou menos) estressados com o excesso de reuniões virtuais do que as pessoas de outros países? Se sim, o que destacaria do comportamento do brasileiro?
Foram dois estudos independentes. Não tivemos o objetivo de comparar essas populações. Entretanto, se você comparar as médias entre os estudos, verá que mulheres e homens no Brasil reportaram menor fadiga do que as pessoas dos mesmos sexos nos Estados Unidos. A média da fadiga das mulheres no Brasil foi de 2,28; contra a média feminina dos Estados Unidos, de 3,13. E a média de fadiga dos homens no Brasil foi de 1,89, enquanto a dos americanos foi de 2,75.
Ao comprovar a Fadiga do Zoom, qual o alerta que esse estudo traz para as empresas com relação à saúde de seus colaboradores? O que elas podem fazer para evitar que seus funcionários sofram pelo cansaço devido ao excesso de comunicação?
É importante que as empresas tenham ciência desse fenômeno. A partir disso, cada uma deve discutir internamente como diminuir essa fadiga, levando em consideração aspectos e estratégias do negócio. Por exemplo, algumas podem incentivar um dia sem reuniões em videoconferências. Outras podem estabelecer um período de pelo menos 15 minutos entre cada reunião, para que as pessoas possam levantar da cadeira e se movimentar um pouco.
É possível também encorajar a redução das reuniões em videoconferência, substituindo-as, quando possível, por e-mails ou trabalho assíncrono em documentos compartilhados. Além disso, pode-se permitir que os colaboradores desliguem suas câmeras ocasionalmente. Os funcionários podem também desabilitar a função que mostra o seu próprio vídeo, evitando o que chamamos de “efeito espelho”, ou seja, de ficar vendo sua própria imagem o tempo todo.
Por fim, as empresas podem oferecer treinamentos aos funcionários sobre temas como gestão de videoconferências, trabalho remoto e assíncrono, e fadiga do Zoom, para que os profissionais conheçam as causas e possíveis estratégias para diminuir essa fadiga.
E como as pessoas podem lidar com a Fadiga do Zoom? É possível minimizar o impacto desse excesso de reuniões online ou até mesmo neutralizá-lo?
Nossos estudos indicam que as principais causas da Fadiga do Zoom estão relacionadas à alta frequência, longa duração e pouco intervalo entre as reuniões. Diante disso, espera-se que uma redução no número e duração das reuniões em videoconferência, bem como aumento do intervalo entre as reuniões diminuam a fadiga. Além disso, as sugestões citadas na resposta acima também ajudam a reduzir a fadiga, ao diminuir a exposição ao que se mostrou causar a fadiga.
Cinco curiosidades do estudo sobre a Fadiga do Zoom:
- A pesquisa foi realizada porque os próprios profissionais da Universidade de Stanford sentiram aumento do cansaço por conta do aumento do número de videoconferências. Perceberam que não havia ainda nenhum estudo que comprovasse e medisse a exaustão de quem tinha uma rotina repleta de reuniões online.
- As mulheres são as mais impactadas. Além dos motivos citados por Anna Carolina no bate-papo acima, há o fato de que elas trabalham e ainda precisam cuidar dos filhos, da família e da casa. Para tanto, decidem condensar as reuniões, que acabam ficando uma atrás da outra, e elas ficam sem o respiro necessário para se recomporem.
- A personalidade influencia a Fadiga do Zoom: os extrovertidos, assim como as pessoas calmas e emocionalmente estáveis, relataram níveis mais baixos de exaustão do que os introvertidos ou mais ansiosos.
- A idade também faz a diferença. Quanto mais jovem, maior o nível de cansaço após as videoconferências.
- E, com relação à raça, os dados do estudo mostram que pessoas negras relataram um nível ligeiramente mais alto de fadiga do Zoom em comparação com participantes brancos. Esse resultado chamou a atenção dos pesquisadores, que continuam pesquisando para entender o que teria contribuído para esse resultado.
No detalhe!
Para conhecer as pesquisas na íntegra, assim como outros trabalhos da Anna Carolina Queiroz, da Universidade de Standford, clique nos itens abaixo.
- Estudo “fadiga do Zoom” no Brasil
- Escala “Zoom Fatigue”, em Português
- Estudo criação Zoom Fatigue
- Estudo que sobre mecanismos do Zoom Fatigue
- Mais estudos da Anna Carolina Queiroz