Há um consenso de que a natureza é uma das principais fontes de inspiração para as pessoas. Haja vista que escolhemos lugares em meio ao verde para descansar, desenvolvemos amor por animais de estimação e cultivamos plantas em busca do contato com a terra.

Você deve estar se perguntando o que esse assunto tem a ver com a sua estratégia e produção de conteúdo, certo? 

Acredite, o papo é com você mesmo, que desenvolve textos que compõem conteúdos, de breves frases para posts e vídeos de redes sociais a artigos para inbound marketing, seja qual foi o segmento ou nicho de atuação do cliente. 

O convite, aqui, é o despertar de novos insights sobre a melhor ferramenta que já se teve notícias para a criação: a natureza humana. Dotada de uma essencialidade incrível, é ela que nos permite tecer narrativas sensíveis capazes de conectar pessoas, gerar identificação e engajamento com métricas palpáveis e, também, resultados intangíveis.

Trocando em miúdos, estamos falando da tão almejada relevância e, consequentemente, sobre imagem e reputação. Portanto, nosso diálogo por aqui vai impactar a mentalidade desde o projeto editorial. 

Somos seres do sentido

O pedagogo Moacir Gadotti, professor titular da USP e presidente de honra do Instituto Paulo Freire, diz que somos seres do sentido e doadores de sentido a tudo o que nos cerca”.

Podemos entender que isso atribui complexidade e transdisciplinaridade ao olhar para tudo que é feito por nós e para nós. Para conteudistas, essa perspectiva pode ajudar a produzir conteúdos não apenas mais assertivos, mas mais afetivos.

 “Se a escrita fosse uma pizza de 12 pedaços, apenas dois pedaços seriam sobre técnica, todos os outros seriam sobre relação”. Diz Ana Holanda, Especialista em Escrita Afetiva.

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Ana Holanda, Jornalista, especialista em ”escrita afetuosa”

Com a “escrita afetuosa”, o texto se torna uma conversa

Como agregar afeto aos conteúdos? Antes de responder essa pergunta com informações de quem é especialista no assunto, cabe desmistificar algumas ideias. A principal delas é a de que narrativas sensíveis têm a ver com uma produção romantizada, excessivamente floreada ou inventada. 

Não. Na verdade, elas precisam ser tecidas a partir de conhecimento e informação, por meio de construções textuais simples, as quais são entrelaçadas pelas percepções de mundo de cada produtor – ainda que pautada pelos interesses de uma marca – acionando a natureza humana da qual falamos no início deste texto. 

Escrita-redes-sociais

Para tornar efetiva essa abordagem, podemos nos apoiar no que a jornalista Ana Holanda batizou de “escrita afetuosa”. O termo trazido para o mercado da comunicação por ela em 2015, trata de um texto que promove troca. 

Em seu livro “Como se encontrar na escrita – caminhos para despertar a escrita afetuosa em você”, a especialista pontua:

texto é sempre uma conversa. E para conversar é preciso presença: de quem fala e de quem escuta.”

Sob essa perspectiva, fica evidente que um primeiro passo é dar mais importância para o “como produzir”, uma vez que “o que produzir”, no geral, nós, conteudistas, já temos acesso com mais facilidade. Isso requer sair do piloto automático e dar mais vasão àquele “temperinho a mais” que vem de você, do que você somou em sua jornada de vida, ainda que seja um conteúdo de marca. 

Palestra de Ana Holanda no TEDx São Paulo,em 2017, quando o termo “escrita afetuosa” ganhou maior alcance.

Para tocar mentes e corações 

Isso porque, para a escrita afetuosa proposta por Ana Holanda, ultrapassamos os paradigmas que orientam a produção de conteúdo convencional para redes sociais e inbound marketing. 

A partir do olhar da especialista, podemos entender que esse romper de barreiras se dá quando há permissão para ir além da técnica e, é nesse ponto que o tema “escrita afetuosa” conversa com a natureza humana abordada propositalmente no início deste texto.

“Quanto mais alma existe em um texto, mais ele encontra o outro (…) A ausência é sempre perceptível no texto, seja ele de que natureza for”

*No livro “Como se encontrar na escrita – caminhos para despertar a escrita afetuosa em você” (página 23) 

A humanização se tornou tema presente quanto o assunto é produção de conteúdo. O que a proposta de Ana Holanda agrega é que essa humanização só é plena quando perpassa o processo de criação. Ou seja, não está baseada em técnicas ou termos-chave do momento, na medida em que não nos distanciamos do que estamos criando. 

De acordo com Ana Holanda,

“um texto escrito de maneira visceral é capaz, sim, de transformar, mudar, aproximar, afetar (…) caso contrário, vamos seguir escrevendo os mesmos textos de sempre, a partir do olhar e do ponto de vista de sempre..

Escrita

Escrita afetuosa 

  • Considera que não basta técnica para a produção 
  • Pressupõe intensidade 
  • Carrega as vivências de quem escreve 
  • Requer presença do produtor 
  • Demanda observação do cotidiano, ambientes, realidades e suas sutilezas 
  • É intrínseca à escuta do outro 

Cases: o tradicional também dá lugar a novas construções 

Um exemplo desse caminho é utilizar os contextos de situação envolvidas. Fizemos isso nesse conteúdo de inbound marketing – publicado no blog da CISP, que, nestes nove meses de 2022, já superou em 18,51% as visualizações registradas em todo o ano de 2021.  

Embora tenhamos feito uma cobertura do evento em questão utilizando os moldes de relações públicas e jornalismo mais tradicionais, buscamos trazer uma abordagem afetiva lincada com o tema central das vivências relatadas na ocasião. 

Então, abrimos mão de uma construção convencional baseada apenas na factualidade – com quem, onde, quando e porquê – e levamos à frase iniciar do lead (parágrafo inicial) elementos que passam a mensagem de empatia relacionado ao evento e, no sublead (segundo parágrafo), questões centrais em forma de perguntas que permearam toda a abordagem da palestra focada em humanização. 

Para isso, no entanto, foi preciso dedicação à escuta durante toda a cobertura. Então, além de considerar o propósito e a linha editorial do cliente, os objetivos com a divulgação e as condutas de apuração e entrevistas, o trabalho se deu com: abertura para a percepção do dito e do não dito nas falas da palestrante e dos entrevistados, observação das expressões dos participantes e do clima entre todos. 

O conteúdo recebeu 283 das 734 visualizações do blog registradas no mês da publicação (junho deste ano), o que representa uma atração de 38,56% da audiência. 

Treinamento_PartCISP

Disponível em https://cispintercambio.com/2022/06/20/partcisp-2022-treinamento-levou-associados-a-uma-intensa-jornada-de-autoconhecimento/

Quando se trata de um conteúdo sem envolvimento de pessoas reais, situações ou histórias, esse caminho é possível nas sutilezas. Exemplo disso é o post que fizemos para o Dia do Ortopedista para o Instagram da Zambon Brasil, que lançamos em junho e, de forma orgânica, já conta com mais de mil seguidores. 

Neste conteúdo direcionado, critérios que conversam com os da escrita afetuosa nos fizeram notar o espaço para falar de sonhos e de histórias, ultrapassando a abordagem científica ou parabéns de forma mais pontual. 

O post alcançou 347 contas e somou 94 interações. 

Zambon-Brasil

Disponível em https://www.instagram.com/p/CitBwBFujVp/

Bônus: Entrevistamos Ana Holanda sobre  escrita afetuosa

Você acredita que isso vale para todo texto, de um simples post nas redes sociais a um livro? Poderia comentar um pouco a respeito da sua visão nesse sentido? 

Sim. Acho que vale para tudo. Na escrita, a gente deveria sempre se preocupar com essa aproximação, em conversar, afetar e estabelecer uma ponte com o outro. E quando a gente não faz isso (…) seja o que for: um post, um e-mail, um informativo (…) é como se a pessoa acabasse de ler aquilo, fizesse uma bolinha de papel e jogasse fora (…).

Então, escrever algo que de fato nos aproxime do outro deveria ser uma preocupação sempre, seja para livro, reportagem, post em redes sociais, até mesmo um e-mail. A gente olha muito para a escrita como uma técnica. Porém, se a escrita fosse uma pizza de 12 pedaços, apenas dois pedaços seriam sobre técnica, todos os outros seriam sobre relação.

Então, para os produtores de conteúdo que atuam na imprensa ou na comunicação para empresas, trazendo pessoas e histórias aos conteúdos, a sua grande sugestão é se permitir essa aproximação na escuta e apuração? 

 Sim, totalmente.  Na comunicação a gente trabalha com o eu e o outro como dois pilares. Não podemos basear totalmente no outro. Claro, a gente não vai conseguir cativar a todos. Mas acredito em uma forma de comunicar em que conseguimos abraçar uma quantidade maior de pessoas, por exemplo, com uma linguagem mais simples.

Quando eu me afasto? Quando uso palavras que as pessoas não entendem, sejam palavras técnicas, jargões, até mesmo expressões da moda – às vezes a gente usa essas expressões e acredita que todos vão entender, mas estamos falando com base no que conversar com a nossa bolha. Por exemplo, se usamos em um texto a expressão “relação tóxica”, a pessoa que está lendo pode estar imersa em uma relação totalmente tóxica, mas ela não acha que aquela narrativa é sobre ela, mas é. Então, temos que nos preocupar em levar ilustrações, contando histórias e situações nas quais essa pessoa seja capaz de se identificar.

Escrever de um jeito simples não é fácil (por isso, em aulas, eu levo exercícios para desenvolver isso, com propostas do tipo: escreva, em um parágrafo, como você explicaria o que é inflação?). Eu já cheguei a fazer trabalhos em empresas em que não havia conexão entre os que eles escreviam nas redes sociais e a maneira como as pessoas comentavam. (…) Tem a ver com não ter uma escuta afinada e não perceber as pessoas.

E sobre essa escuta, o que você considera serem caminhos que nos exercitam nesse sentido? Como os profissionais podem melhorar para serem mais ouvintes e permitirem esse envolvimento e essa conversa com o outro em uma entrevista e na produção em si? 

Existem muitos elementos que nos ajudam a perceber como estamos como dificuldade de enxergar o todo. Então, trabalhar outros sentidos é muito importante, ainda mais com o fato de estarmos sempre tão fixos no celular, sem perceber o entorno. Acho legal fazer caminhadas com foco na percepção do mundo ao nosso redor, sentir o cheiro, ver o que as pessoas comentam, a forma como elas escrevem (…). Isso é muito importante.

Uma coisa muito triste é que as pessoas, quando vão ter uma conversa com alguém, vão com um roteiro pronto do que querem conversar e não se abrem para o imprevisto e as possibilidades do que a pessoas está falando, que muitas vezes você precisa sair do roteiro. Está muito relacionado ao desenvolvimento da percepção fina, percebendo, inclusive, o que não é dito.

Dicas práticas para escrever de forma mais afetuosa:

  • Estude mais sobre o que os algoritmos revelam sobre as pessoas; 
  • Reflita sobre as entrelinhas da forma como a audiência se posiciona e se manifesta; 
  • Aposte em leituras de textos do tipo crônica, ensaios e poesias; 
  • Dedique mais tempo para observar as sutilezas da vida real, seja indo até a padaria ou durante uma reunião de trabalho; 
  • Torne mais rigorosos seus filtros em relação aos termos da moda e priorize o que é autêntico; 
  • Fique atento a conceitos preestabelecidos que atribuem visão de “piegas” a narrativas menos convencionais.