A pandemia obrigou muitas empresas a colocarem parte de suas equipes em trabalho remoto. A cultura organizacional poderá ser afetada com esse afastamento? Ou será que, ao contrário, a cultura organizacional é a que está fazendo a diferença na vida das organizações nesse momento de tantas transformações na forma como nos relacionamos e fazemos negócios?

 

Para responder a essas e outras dúvidas que cercam o tema cultura organizacional nesse momento tão inusitado pelo qual a humanidade está passando, conversamos com a consultora e professora do programa de Pós-Graduação em Administração da UEL, Marlene Marchiori, e com o CEO da EDC Group, Daniel Machado de Campos Neto, ambos atentos ao que acontece no presente e nas mudanças que estão por vir.

 

“A cultura organizacional é o que faz a gente se ver como grupo. É um movimento em construção a partir do comportamento das pessoas e do que essas pessoas validam como correto, certo e assim por diante”, afirma Marlene Marchiori.

 

Segundo sua experiência no contato com as empresas, propósito e cultura caminham juntos, ou seja, um alimenta o outro. “Não posso dizer: agora que eu desenhei meu propósito vou caminhar com a cultura. Não faz sentido. Quem dá sustentação para isso? A maneira como as pessoas se relacionam, conversam, fazem negócios, criam políticas, praticam essas políticas, tudo isso reflete cultura”, afirma.

 

marlene-consultora-comunicacao

Para a escritora, consultora e professora Marlene Marchiori, a pandemia trouxe dois grandes aprendizados: o cuidado com o ser humano e a consciência coletiva

Para Marlene, é importante entender o papel da cultura nesse momento de transformações. A primeira fase foi de adaptação às novas exigências que a pandemia trouxe para as empresas, momento em que a cultura organizacional tem sido o elemento a manter a conexão entre a empresa, seu propósito e seus públicos. A segunda fase é a vivência que as empresas estão experimentando em conjunto com seus públicos e é por meio da cultura que elas estão fortalecendo e recriando relacionamentos.

“A pandemia nos fez viver os mesmos problemas e buscar respostas para as mesmas dúvidas de forma conjunta, pois o problema é de todo mundo. Nesse sentido, o vírus foi muito generoso, pois o reposicionamento das organizações como grupo vem estreitando laços e criando novas relações, que nesse momento podem até ser inconscientes, mas vão prevalecer no futuro. Não é assim que a cultura se dá e se transforma?”, argumenta.

 

 

 

 

 

 

A Força da Consciência Coletiva

 

Marlene acredita que a pandemia trouxe dois grandes aprendizados para as empresas: o cuidado com o ser humano e a consciência coletiva. Tais vetores, afirma, têm se manifestado na forma como as organizações e as pessoas estão fazendo negócio e se relacionando com seus públicos.

“A forma como estamos fazendo compras, por exemplo. Tem pessoas que não vão mais ao supermercado, só compram por aplicativos. E hoje é normal convidar palestrantes de qualquer parte do mundo para estarem presentes em congressos acadêmicos, algo que antes não era muito usual”.

Respondendo à pergunta inicial que deu origem a esta matéria, Marlene vê a cultura organizacional não como um elemento que pode estar sendo afetado com a pandemia e sim como aquela que tem dado a liga necessária para que as mudanças advindas da crise ocorram de forma natural e fluida.

Para ela, esses aprendizados é que vão definir como as organizações passarão a operar daqui em diante. “É o momento de nós avançarmos, de nós evoluirmos, é o momento, inclusive, da comunicação ser uma comunicação que orienta e não uma comunicação que executa somente”.

 

A Cultura como facilitadora nas entregas e Tomadas de Decisão

 

Daniel Machado de Campos Neto fundou e comanda a EDC Group, empresa de terceirização de mão de obra especializada. Engenheiro de formação, hoje se dedica à gestão de pessoas, o que o leva a incluir a cultura organizacional como um de seus temas de interesse, tendo, inclusive, se aprofundado no assunto durante seu mestrado.

Na sua visão, em termos de retenção e satisfação de funcionários, a cultura corporativa forte é um diferencial competitivo. “Hoje, principalmente as pessoas da geração millenials estão mais interessadas em trabalhar em empresas onde haja alinhamento de propósito e de cultura, e não necessariamente são atraídas pelo tamanho ou marcas de destaque no mundo empresarial”, destaca.

Falando especificamente da relação entre cultura e a Covid-19, de uma forma geral, Daniel acredita que as empresas que já eram orientadas por uma cultura que valoriza mais a entrega do que a presença física do funcionário no escritório estão sendo mais bem-sucedidas nesse momento, pois estão dando a cada um a liberdade de coordenar suas responsabilidades profissionais com as tarefas de casa.

Já empresas muito baseadas no modelo comando-controle, estão tendo mais dificuldade de adaptação a esse novo modelo de home office.

daniel-edc-group

Daniel Machado, CEO da EDC, acredita que a cultura organizacional é forte aliada para a tomada de decisão à distância

Dessa forma, ele credita à pandemia a primeira grande mudança nas relações de trabalho. “A partir de agora as relações serão mais baseadas em entregas do que no cargo ou horário de trabalho que a pessoa venha a cumprir. Pode terminar a pandemia, as pessoas podem continuar a trabalhar em casa, e o que vai importar é a entrega e não propriamente o cumprimento de horário”, prevê Daniel.

Outro ponto importante ressaltado por Daniel é que uma cultura forte ajuda na descentralização das decisões. Empresas que deixam clara a sua forma de trabalhar facilitam a tomada de decisão a distância. Como exemplo, cita empresas que apresentam culturas mais agressivas comercialmente falando, cujos funcionários não precisam consultar seus gerentes para dar descontos altos. “Ter uma cultura corporativa forte e clara permite a descentralização para a tomada de decisão e favorece o desempenho da empresa em tempos de home office e distanciamento”.

 

 

 

 

 

A Importância dos Tangíveis

 

Mesmo sendo a cultura organizacional tudo aquilo que está por trás do que as pessoas fazem, mesmo não estando escrito em lugar nenhum da empresa, ou seja, algo intangível, Daniel acredita, por outro lado, que nesse momento de pandemia o reforço a ela, por mais bizarro que possa parecer, começa pelos tangíveis.

“Nós da EDC fizemos esse movimento. Mandamos para a casa de nossos funcionários itens com o logo da empresa, como squeeze, kit de caderno e mouse pad, camiseta, essas coisas que ajudam a remeter os funcionários ao escritório e, por consequência, à nossa cultura”, comenta.