A saída de um profissional da empresa é uma fase inescapável na vida laboral. Por mais inevitável que seja, essa transição pode ser intensamente desestabilizadora. Surgem, então, discussões em torno de uma “demissão humanizada” ou de um “desligamento saudável”, conceitos que instigam e exigem análises mais aprofundadas.
A realidade da demissão humanizada
Embora a ideia seja questionável, é imprescindível tratar o tema com alto cuidado e delicadeza. O desligamento é uma experiência de ruptura, inerentemente relacionada a emoções conturbadas. No entanto, é possível e necessário conduzir esse processo com dignidade, respeito e compreensão.
“O desligamento é tão inerente quanto a morte, sob a perspectiva psicológica. É um processo de luto e você pode passar por ele de forma saudável”, diz Luiz Francisco, psicólogo e especialista em psicologia organizacional. E completa: “A dispensa do trabalho não precisa ser um trauma; pode ser desafiante, provocadora, de alta exigibilidade, mas não necessariamente traumática”.
Para o profissional, o desafio do desligamento humanizado é transformar esses sentimentos negativos de choque, tristeza e ansiedade.
“Trata-se de uma experiência de ruptura, mas não necessariamente conectada a sofrimento. Acaba que, por conta de ser frequentemente conduzida de forma desumanizada, a quebra resulta entendida dessa forma. Do mesmo modo que, em nossa sociedade brasileira, a perda de alguém é acompanhada por sofrimento, diferente de como a cultura mexicana a experimenta. Então, a gente encara a morte com desolamento porque não se prepara para isso. Agora, pensando em desligamento, a gente tem muito mais condições, inclusive, de se antecipar e desvencilhar.”
O papel central da Comunicação Interna
A Comunicação Interna surge como uma ferramenta estratégica nesse cenário. Sua eficácia pode fazer a diferença na percepção e na experiência do profissional demitido. Um estudo da Society for Human Resource Management (SHRM), em 2020, apontou que a comunicação clara e transparente durante o processo de desligamento pode reduzir o estresse e preservar uma relação positiva entre o profissional e a empresa.
Luiz Francisco alerta sobre a perspectiva da empresa nesse percurso. “A comunicação no processo de desligamento, sendo transparente e cuidadosa, contribui, sim. Porém, a prática de uma comunicação dialógica, precisa percorrer a trajetória do profissional ao longo da sua permanência. Do contrário, você acaba trazendo um peso, uma sobrecarga, uma responsabilidade de transformação de uma vez só, no ato do desligamento, e ele não dará conta”, explica.
Em outras palavras, se o profissional não tiver acompanhamento periódico das lideranças e gestão direta, dos Recursos Humanos, e até dos colegas, se não souber quais as lacunas a serem melhoradas, não adianta jogar todos os desacordos à mesa no momento do desligamento. É necessário explicar que por conta desses pontos não terem sido modificados, não ter havido um ponto de evolução, culminou-se no desligamento. Por mais simpático, compreensível, cuidadoso que o profissional a conduzir o desligamento seja, ele não conseguirá reverter a situação.
A falha das lideranças e dos Recursos Humanos
Infelizmente, a realidade mostra que muitos líderes e profissionais de RH não estão, ou mesmo não são, devidamente preparados para conduzir o processo demissional de maneira apropriada. O desligamento pode ser mecânico, com discursos padronizados, insensíveis e desconectados da realidade emocional dos colaboradores.
Os motivos da decisão têm que vir fundamentados. Não dá para ser uma conversa opinativa, narrativa, e, sim, fundamentada, para que não se fique com a sensação da subjetividade. É preciso ser objetivo nos pontos que alimentam a conversa. São necessários embasamentos, informações, comprovações de que foi seguido todo um protocolo. Um padrão não só com foco no feedback unilateral, mas de mão dupla. Todos os envolvidos devem ser francos, dispostos a escutar e falar sem constrangimentos, represálias. Mas com a proposta de crescimento, progressão.
O impacto nos profissionais
A falta de sensibilidade durante o processo de desligamento pode ter efeitos devastadores na pessoa demitida. Um profissional de Comunicação, que prefere não ser identificado, vivenciou uma demissão mal gerenciada e relembra.
“Fui tratado como um número, em vez de uma pessoa. Estava empregado quando me contactaram. Durante o processo de admissão expliquei a impossibilidade do desemprego. Era um momento crucial em minha vida: havia acabado de me separar; um soco financeiro ao alugar uma moradia, comprar móveis e eletrodomésticos básicos. Não tinha como sair da empresa por algo incerto. A profissional de RH prometeu que a empresa faria de tudo, inclusive uma recolocação horizontal, caso necessário. Que eu não me preocupasse com isso. Após mudanças de estrutura, minha gestão direta mudou duas vezes em menos de quatro meses. A que chegou não participou da minha contratação, não tinha repertório da área na qual eu atuava e ainda tinha discursos subjetivos, impalpáveis. Após desencontros comunicacionais, ações ‘à la couch esquerdomacho’, os desentendimentos passaram a casos de assédio moral em comportamento passivo-agressivo. Acontece que, por mais desgastante que fosse, eu precisava fazer dar certo”.
O entrevistado conta que os momentos de pressão se intensificaram até crises de ansiedade surgirem.
“Em certo momento, fui pressionado a atuar numa área diferente da contratada e de sua experiência. Uma ‘oportunidade de desenvolvimento’ disfarçada de ‘teste vai ou racha’”, disse. Por sua vez, o comunicólogo decidiu perguntar ao responsável se, a curto prazo, seria demitido, esperando transparência. “Até para me preparar financeira e emocionalmente. Sequer perguntei a médio e a longo prazo porque sabia que o desligamento seria iminente. O gestor, nesse momento, riu. Disse para eu ficar tranquilo e sem preocupações. Isso foi numa terça-feira. Sexta-feira pela manhã fui demitido virtualmente, numa chamada de menos de dois minutos e um comentário como ‘você já imaginava que isso aconteceria’”, lamenta.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Gallup em 2017, apenas 30% dos funcionários acreditam que o departamento de Recursos Humanos de sua empresa está realizando um bom trabalho. Isso sugere que muitos funcionários podem ter percepções negativas ou mistas sobre a eficácia do RH.
Os pontos de melhoria frequentemente citados incluem: comunicação mais clara e transparente, respostas mais rápidas a perguntas ou preocupações, maior capacidade de lidar com questões complexas ou delicadas e melhor apoio ao desenvolvimento de carreira. Muitos funcionários também expressam o desejo de que o RH seja mais proativo, em vez de reativo, e ajude a criar uma cultura mais positiva e inclusiva no local de trabalho.
Embora tenham se passado seis anos desde a pesquisa, parece que as perspectivas permaneceram as mesmas.
“Em seguida, uma profissional de RH deu seguimento e aplicou aquele discurso padronizado e até jocoso”, antecipa o entrevistado. E completa: “Eu me permiti também ser transparente e dizer que a empresa sofria de uma séria crise de identidade, de como se enxergava, agia e se mostrava. Fui claro sobre o combinado inicial e as decisões finais. Não houve nenhum movimento de migração de área. Simplesmente não me quiseram mais”.
A falta de comunicação faz com que as pessoas se sintam descartáveis. Ter uma conversa honesta e respeitosa faz a diferença. Não alivia a perda do emprego, mas preserva a dignidade.
O olhar das empresas
Do ponto de vista das empresas, a demissão humanizada pode ter um impacto significativo na sua reputação. Afinal, como uma empresa trata seus profissionais, principalmente nos momentos mais difíceis, diz muito sobre sua cultura e valores. Segundo a CareerArc‘s 2018 Employer Branding Study, 64% dos candidatos a emprego com uma experiência de demissão negativa compartilham essa experiência on-line ou com seus conhecidos.
O psicólogo Luiz Francisco destaca que há dois tipos de desligamentos.
“Há o desligamento passivo, quando o trabalhador é desligado pela organização, mas também o ativo, que é quando o colaborador pede. Também nesse caso é importante entender que se trata de um espaço de escuta, e que o procedimento técnico da entrevista de desligamento também é bem-vindo. Na demissão passiva, o empregador terá a oportunidade de uma última ação de responsabilidade social, sendo um dos procedimentos fundamentais da área de gestão de pessoas. Em contrapartida, numa demissão ativa, é a chance que o empregador tem de ouvir esse trabalhador, que também faz parte dos procedimentos fundamentais da área de gestão de pessoas, entendendo quais questões o levaram a pedir o desligamento”, conclui.
Elane Cortez, gerente de Comunicação Interna no Grupo Trama Reputale, pondera:
“Ao conduzir a demissão com transparência e cuidado, a empresa não só mostra respeito pelo profissional, como projeta uma imagem positiva da organização. Nos momentos de crise, é quando os valores organizacionais mais devem se sobressair, incluindo a transparência do processo. E é essencial que essa característica prevaleça para quem vai e para quem fica. Quantas vezes na sua empresa, por exemplo, uma pessoa foi demitida e a equipe só ficou sabendo com um comunicado genérico? Ou pior: só porque ela não apareceu mais? É fundamental que o processo comunicacional oficial da empresa esteja presente, inclusive para desmistificar boatos e ajudar na readaptação dos times pós-desligamento”.
A participação da CI no desenho da jornada do colaborador é primordial. Estabelecendo expectativas claras desde o início, apoiando o crescimento profissional ao disseminar oportunidades de desenvolvimento, fomentando o engajamento por meio de diálogo aberto, auxiliando no gerenciamento de mudanças com transparência e conduzindo processos de desligamento respeitosamente, contribuindo assim para uma experiência de colaborador positiva e alinhada com a cultura da organização.
“O interessante é envolver um profissional de comunicação e de designer de Experiência do Usuário, valorizando o feedback dos colaboradores também nesta etapa, pois entendemos que a Comunicação Interna é uma ferramenta estratégica que molda uma jornada do colaborador positiva e engajada. A missão de um setor de Comunicação Interna e de sua agência, como parte dessa conversa, é garantir uma experiência alinhada à cultura organizacional desde a integração até o desligamento, conclui Elane”.
Rumo à humanização
A “demissão saudável” pode parecer uma utopia, mas a necessidade de humanizar esse processo é real e urgente. Líderes e profissionais de RH precisam ser capacitados para lidar com essas situações delicadas. É necessário criar espaços de diálogo, respeito e empatia. A Comunicação Interna é uma ferramenta crucial nesse contexto, atuando para garantir que as empresas tratem seus profissionais com a dignidade e o respeito que merecem. Só assim será possível caminhar rumo à humanização da demissão, minimizando o trauma e preservando a dignidade de todos os envolvidos.
“Desligamento humanizado é uma prática que profissionais da área de gestão de pessoas vêm falando há muito tempo. É uma atuação que nós da psicologia organizacional defendemos. Eu, pelo menos, falo sobre isso ao longo de 15 anos, em aula: do cuidado, da ação responsável. O profissional que está “indo embora” pode ter sua última chance de desenvolvimento no emprego do qual se desligará. E o gestor, sua última oportunidade de apostar no desenvolvimento daquela pessoa e de devolvê-la ao mercado de forma saudável, dando informações, feedbacks, pontos importantes para que ela possa se desenvolver numa próxima oportunidade. Que, em outro lugar onde tenha um desempenho mais interessante, que ela possa corresponder mais ao que é esperado dela. Talvez as organizações não tivessem a maturidade ou mesmo o interesse em participar desse tipo de discussão; mas elas têm sido cada vez mais convidadas a isso”, observa Luiz Francisco.