Antes de nos aprofundarmos sobre a cultura do erro nas organizações, é importante observar que não se trata de abraçar ou glamourizar aquilo que não está dando certo.

As organizações precisam, sim, definir e comunicar claramente a seus colaboradores o que constitui uma falha inaceitável, algo que não está alinhado com suas condutas, seu jeito de ser, sua cultura. Em uma linha de produção, por exemplo, deve prevalecer uma mentalidade de tolerância zero em relação a acidentes de trabalho, já que algumas falhas ou deslizes podem ser fatais ao trabalhador e ainda prejudicar o funcionamento de uma linha de produção inteira.

Em outros contextos, o valor de uma abordagem de tentativa e erro pode ser muito positivo para qualquer organização, pois pode levar à maior velocidade e eficiência de processos e elevar a capacidade de melhoria de produtos e serviços. E mesmo falhas, que são de se esperar, podem ser eventos de aprendizagem se a liderança souber lidar com elas, claro.

O medo ainda paira no ar

Realizada pela Pulses recentemente, a Pesquisa de Segurança Psicológica teve o objetivo avaliar a capacidade que as equipes têm de se posicionar diante de consequências negativas. Em uma das questões, os entrevistados foram perguntados sobre a forma como as organizações onde trabalham encaram o erro. Diante da frase “se alguém errar, isso não será usado contra a pessoa”, 54% discordaram, o que mostrou o medo de retaliações diante de possíveis falhas.

Taxa de sucesso também depende das falhas

A liderança precisa ser sensibilizada para a cultura de inovação e para lidar com o erro de forma diferente. Enquanto houver ambientes que colocam os erros debaixo do tapete ou tratam as falhas com punições, tudo o que for dito sobre inovar será frágil.

Thomas Watson, ex-presidente da IBM, dizia que “se você quer aumentar a sua taxa de sucesso, precisa dobrar a sua taxa de fracasso”.

A lógica é simples. Manter tudo do jeito que sempre foi significa não inovar e correr o risco de ser sucumbido. A liderança precisa entender que se a decisão for por “abraçar” a inovação, é necessário estar preparada para correr riscos e aprender a lidar com os fracassos da equipe.

E para que isso seja possível é importante criar ambientes de segurança psicológica, nos quais todos os indivíduos têm espaço para se expressar e interagir com o grupo sem qualquer tipo de repressão por ideias tolas ou erros honestos.

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Leila Gasparindo, CEO do Grupo Trama Reputale.

“A liderança precisa ressignificar o conceito de sucesso e entender que quem não acerta, aprende. Esse colaborar se torna até mais valioso e segue muito mais forte para a próxima batalha. A liderança precisa estar alinhada à comunicação para que a cultura de inovação se estabeleça”, afirma Leila Gasparindo, CEO do Grupo Trama Reputale.

Inovação no dia a dia

A maior parte dos profissionais ainda tem dificuldade de associar inovação a algo que ele faz no dia a dia. Muitas pessoas pensam que inovação é só aquilo que é criado na área de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D).

Entretanto o conceito de inovação assumiu um sentido mais amplo nos últimos 15 anos, sendo apresentado por Manual de Oslo (FINEP, 1997) como a implementação de uma melhoria significativa ou desenvolvimento de novos produtos (bens ou serviços), processos, método de marketing ou configuração organizacional nas práticas dos negócios, no local de trabalho ou nas relações externas e outras formas capazes de transformar uma ideia em diferencial de mercado.

Ou seja, mudar a forma como um colaborador faz seu trabalho diário pode, sim, ser algo extremamente inovador.

Além da expansão do conceito, houve uma evolução na forma de fazer inovação. Antes, as companhias gerenciavam a área de P&D industrial promovendo a geração da inovação apenas dentro da empresa. Mas, em 2012, o termo “inovação aberta” foi criado pelo economista e professor Henry Chesbroug, que o definiu como “ideias valiosas que podem surgir a partir do interior ou exterior da companhia, bem como podem ir para o mercado”.

Na inovação aberta, as organizações promovem de forma aberta processos de inovação e pesquisas, a fim de melhorar produtos, serviços, ampliar seu valor agregado, criar um novo modelo de negócios ou uma proposição de valor.

Comunicação pode promover aprendizado coletivo

Mas para isso dar certo, a empresa e seus colaboradores precisam estar abertos para ideias advindas de fora.

Chesbrough aponta que existe uma lógica dominante na empresa, que é uma armadilha cognitiva, na medida que é usada pelo grupo para interpretar novos fatos e mantém o negócio preso ao modelo corrente. Um exemplo são os materiais distribuídos aos novos empregados, ou seja, materiais de comunicação institucional e interna.

“Nas empresas, percebemos uma série de crenças, regras, padrões e convenções sociais que visam a preservação do status quo. Tudo isso está presente na fala das lideranças e nos materiais institucionais entregues aos funcionários. Se a comunicação for gerida apenas para manter o que já está estabelecido, não haverá espaço para inovação. Por isso, a comunicação com o funcionário é algo extremamente estratégico para estabelecer uma cultura de inovação”, destaca Leila.

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“Naturalmente, existe nas empresas a tendência de preservação do status quo. Sempre tem gente achando que é melhor deixar tudo como está. Por outro lado, também tem muita gente acreditando que é preciso se abrir ao novo, fazer diferente, experimentar coisas novas. O fato é que nos dois grupos há um sentimento bastante preponderante: o medo de errar. E esse medo é um dos entraves principais da inovação na empresa”, reforça a executiva.

Nenhuma empresa está livre do erro. Ele faz parte do processo. Toda nova iniciativa está sujeita a ameaças e oportunidades, a vitórias e derrotas, perdas e ganhos, sucessos e fracassos.

“O grande problema é que nossa sociedade valoriza demais os acertos e ignora que os erros são parte fundamental do aprendizado para o êxito futuro. E falar sobre os erros abertamente traz aprendizado coletivo. Estamos acostumados com um sistema de comunicação interna que valoriza apenas os bons exemplos, que ovaciona funcionários mais brilhantes, enquanto os que cometem falhas – por menor que sejam – viram até um tabu. Isso quando a liderança da organização não prefere optar pela demissão a fim de que possam servir de exemplo aos demais”, explicita Leila.

Segurança psicológica

A Comunicação Interna tem um papel estratégico para o fortalecimento da cultura do erro. Se houver um planejamento estratégico, alinhado aos objetivos da empresa, ela pode não apenas ser usada para informar os colaboradores, mas também para estabelecer e fortalecer uma cultura de inovação.

Para isso, as campanhas de sensibilização e engajamento, de cultura organizacional, os canais de comunicação interna, os eventos e os materiais institucionais precisam ter foco no estímulo a comportamentos que visam à inovação.

“O envolvimento começa pela inspiração de estórias de outros que mudaram além do status quo. Pedir às pessoas para trabalhar no espaço cinzento muitas vezes cria incertezas. Estórias poderosas criam segurança psicológica, permitindo que as pessoas saibam que fazer mudanças é bom e será recompensado”, destaca Leila.

A Comunicação Interna também pode abrir um arcabouço a partir de referências da inovação como caminho para o sucesso. Os meios e canais precisam criar espaço para o diálogo, convidando outras pessoas a fazer perguntas e compartilhar emoções, experiências e insights.

“Toda a comunicação interna e externa precisa declarar abertamente que a empresa tem como missão e visão de futuro a inovação e nessa empresa há espaço para falar do erro como parte do aprendizado. Abrem-se espaços de fala para troca de experiências com a participação de pessoas de diferentes áreas”, diz Leila.

Jornadas inspiradoras

Os canais, por sua vez, podem ser usados para mostrar jornadas e vivências de colaboradores que aprenderam com seus erros. Ou seja, a comunicação toda é pensada para deixar de reforçar comportamentos padrão e a manutenção do que já existe, o que enrijece a organização.

“A adoção de prêmios e o reconhecimento público daqueles que tiverem coragem de enfrentar o que está estabelecido para promover novas formas de atuação e a inovação também são essenciais. Enfim, a comunicação interna realiza na empresa o mesmo papel dos veículos de comunicação e do entretenimento na sociedade. Esse conteúdo midiático pode reforçar comportamentos de manutenção ou estabelecer uma cultura de mudança”, finaliza Leila.