Ao mesmo tempo em que utilizamos o trabalho e a comunicação para garantir a nossa sobrevivência estamos impactando nossas práticas laborais e comunicacionais produzindo inovações.
Nesse ciclo que se retroalimenta a todo instante, é preciso ter espaço para análise e reflexão, a fim de extrair o melhor desse processo, ou, ainda, para direcioná-lo de acordo com os nossos objetivos. E é exatamente nesse momento de refletir e construir algo novo que a maioria das empresas e instituições se encontra hoje.
Como lidar com a relação comunicação e trabalho após esse período de pandemia, considerando a possibilidade de atividades presenciais e remotas?
Para nos ajudar a pensar sobre o assunto, convidamos o diretor de Engajamento e Comunicação com Empregados do Grupo Trama Reputale, Adriano Zanni, e Cynthia Provedel, Mestre em Comunicação, Professora da Aberje e ESPM e fundadora da Caminho do Meio – Comunicação Interna, Cultura e Desenvolvimento Humano & Organizacional, que dialogaram sobre o papel da comunicação nesse processo e os principais desafios para as organizações.
Flexibilidade parece ser o principal caminho, mas não o único. A comunicação é, certamente, uma aliada fundamental. Mas é a liderança que tem um papel-chave de organizar e conduzir esse processo, na opinião dos nossos entrevistados. Confira e inspire-se!
Principais aprendizados para a comunicação com a pandemia
“Acredito que a Comunicação Corporativa ganhou contornos ainda mais estratégicos nesse período pandêmico. Muitas organizações intensificaram investimentos na área e a trouxeram ainda mais para dentro das decisões relacionadas aos cenários de negócios. E isso também exigiu das lideranças comunicacionais que desenvolvessem um olhar mais integrado, preocupando-se mais com métricas e indicadores que vão muito além daqueles que apenas retratam a efetividade dos canais de CI ou das ações de engajamento por elas empreendidas no passado e presente”, comenta Adriano.
Um outro ponto sensível é que todo comunicador passou a ter que estudar mais sobre soft skills, questões relacionais e comportamentais e, até mesmo, contextos ligados à saúde mental e equilíbrio emocional. Primeiramente, para lidar com seus próprios times e, em segundo lugar, para dar suporte e consultoria a outras lideranças que, às pressas, se viram rodeadas de times e profissionais em situações de extremo desconforto (burnout, workload, baixo comprometimento com a marca empregadora, esgarçamento das relações com seus pares). E esta é uma demanda sobre a qual ainda estamos aprendendo a lidar e até, me arrisco a dizer, compreendendo se de fato desejamos ter este chapéu dentro do contexto organizacional, complementa Zanni.
Para Cynthia, “a escuta verdadeiramente intencional talvez seja uma das melhores práticas que a pandemia pode ter trazido. É a capacidade crescente de escutar as pessoas a partir de um lugar muito mais intencional e genuíno e, de fato, tomar como base o que a escuta traz junto às pessoas e tendo isso como elemento para o planejamento e para a tomada de decisão organizacional. Abrir esse espaço de escuta e ter um diálogo verdadeiro e corajoso sobre o que é possível fazer ou não, nos tempos atuais, é algo que constrói transparência, coerência e influencia a experiência do colaborador na organização”.
Considero algo muito potente, também, a compreensão cada vez maior quanto à relevância da comunicação da liderança neste contexto. Apoiar os líderes para que possam se desenvolver e se fortalecer no diálogo junto aos times será um pilar de sustentação fundamental para os desafios atuais e futuros: na gestão dos novos modelos de trabalho (híbrido, remoto, home office), no processo de ressignificação do trabalho que teremos nos próximos anos, no engajamento das pessoas frente aos mais diversos cenários possíveis, no cultivo de um ambiente de segurança psicológica que será fundamental para alavancar inovação, para que as pessoas se sintam encorajadas a falar abertamente o que pensam/sentem, comenta Provedel.
Algumas organizações deram um passo expressivo em direção a isso e estão, cada vez mais, adotando um olhar sistêmico para questões estruturais que podem impactar a saúde mental dos sujeitos nas organizações. Como resultado, estão se fazendo perguntas cada vez mais profundas sobre metas, prioridades, jornada de trabalho, horas trabalhadas, formas de trabalhar, repensando sistemas de avaliação de desempenho, condições de trabalho, a possibilidade de jornadas mais flexíveis, etc.
“São aquelas que, por exemplo, pilotaram iniciativas como “sexta-feira sem zoom”, dia extra de descanso para colaboradores. Elas estão avançando em temas que não são simples de ser equacionados. O desafio de empreender uma postura sustentável para assegurar os resultados da empresa e, ao mesmo tempo, um ambiente de trabalho equilibrado sob a perspectiva emocional é algo complexo, delicado, corajoso e extremamente necessário”, completa a professora.
A comunicação como aliada na adaptação ao trabalho híbrido
Adriano Zanni
“A pandemia colocou cada ser humano em uma realidade bastante peculiar, inclusive quanto à produção de sentido dentro do novo ambiente de trabalho que emergiu. Compreender o que faz sentido para cada pessoa é fundamental para criar caminhos plurais, alinhados e que ofertem a cada empregado uma maior percepção de acolhimento. Não há fórmulas certas ou erradas, mas caminhos que devem acontecer para este ou aquele momento da jornada de um trabalhador dentro de uma organização, que passa por todas essas revoluções. Pesquisar, diagnosticar e criar projetos que inspirem a troca ajuda, e muito, a preparar um novo ambiente e trabalhar atitudinais com consciência sobre ele.”
Cynthia Provedel
“Como já falei, além de apoiar a liderança no exercício do diálogo junto aos times (recentemente, escrevi sobre a comunicação da liderança no ambiente online, acredito que o nosso papel, enquanto profissional de comunicação, também possa estar relacionado à cultura. A instabilidade dentro e fora das organizações é uma realidade. Precisamos reagir com sabedoria e prontidão ao que acontece em nosso entorno e compreender que os novos desafios demandarão um exercício de repensar a cultura organizacional de forma contínua, num movimento estruturado e intencional, a fim de analisar se ela corresponde e suporta o enfrentamento do contexto vivido, ou, se há necessidade de ressignificar comportamentos, valores e formas de trabalhar para nos prepararmos para as demandas do momento presente ou para a construção do futuro.”
Como engajar e trabalhar o senso de pertencimento em equipes presenciais e remotas
Adriano Zanni
“Ninguém adere a um papel no qual não acredita. Tem que começar a reflexão por aí. Um ator consagrado pode fazer muito bem o papel de um figurante ou de um mordomo nos bastidores da cena de uma telenovela, desde que ele compreenda que está dando vida àquela personagem, que a alma e o sentido daquela personagem dependem de sua atuação. Isso é protagonismo. Isso é accountability. Isso gera senso de pertencimento. Para mantê-los aderentes, engajados aos pilares de cultura, tornando-os embaixadores dessa marca empregadora, precisamos empoderá-los com responsabilidade”.
“Primeiramente, se constrói a cultura com eles e para eles. Pensamento coletivo, coconstrução, design thinking. Depois, integra-se o conhecimento, alinham-se as mensagens chave institucionais às grandes narrativas que deverão ser levadas adiante. Isso é capacitação, educação. É a produção coletiva de sentido para tudo o que se deseja”.
Por fim, promove-se o cascading, reconhecendo os exemplos inspiradores, premiando os aderentes à cultura e tornando essas pessoas curadores de conteúdo, com papéis e responsabilidades que vão além de sua função. Dessa forma, à distância ou não, mais pessoas se sentirão comovidas a fazer parte. E aqui eu uso a palavra ‘comovidas’ porque construção cultural é movimento em coletividade, significa caminhar sempre juntos, emocionalmente falando inclusive, finaliza o executivo.
Cynthia Provedel
“O que vivemos até agora pode nos indicar alguns caminhos importantes para fortalecer a cultura e engajamento a partir de um contexto híbrido/remoto ou presencial. A postura da liderança, no exercício do diálogo, certamente fará toda a diferença no reforço dos valores, objetivos e práticas culturais. Mas para isso, é fundamental ampliar diálogo para além das conversas sobre metas, entregáveis. Dialogar apenas sobre o dia a dia, atualização das atividades, o que está sendo feito por um ou por outro é insuficiente em qualquer circunstância”.
Precisamos lembrar, também, que a cultura não é algo estanque. E, portanto, abrir espaço para que as pessoas reflitam sobre o desdobramento da cultura no dia a dia, nos processos, nas formas de trabalhar e nas relações. Isso possibilita que as pessoas encontrem sentido na cultura para além do que está expresso nas paredes ou no fundo de tela do zoom. E, ainda, que possam discutir, com abertura, o que pode ser melhorado na prática, de forma que o cotidiano seja vivenciado em congruência com valores e propósito organizacionais. Assim, é fundamental que as pessoas tenham voz e influência nessa construção cultural. Isso engaja e fortalece o pertencimento.
Pontos positivos e os negativos do formato híbrido
Adriano Zanni
“Creio que os principais pontos positivos são a transformação tecnológica que todos estamos vivenciando. Com processos mais alicerçados em plataformas que facilitam o compartilhamento de saberes e a gestão do conhecimento. Outro ponto positivo é que nunca olhamos tanto para questões de saúde mental e equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. O modelo híbrido ou o anywhere office pressupõe essa atenção, sem dúvida. E, também, porque podemos contar um pouco de quem somos como profissionais a nossos familiares, esposas, maridos, filhos, etc. Eles fazem parte de nossas escolhas e isso ajuda muito em questões de marca empregadora e diminuição de turnover, por exemplo. Claro, quando as empresas fazem bem essa lição de casa”.
Um ponto a ser trabalhado: como eu encontro espaços para me conectar aos colegas de time para falar de outras coisas, que não sejam apenas relacionadas ao trabalho? Esses rituais se perderam um pouco, pois estavam nas conversas do almoço, do cafezinho, no happy hour, nas comemorações de aniversário e até nos deslocamento entre uma sede da empresa e outra, ocasião que era comum irmos trocando ideia com amigos no carro sobre coisas da vida. Talvez, tenhamos que ritualizar esses processos em nossos momentos, uma vez que nós, brasileiros, somos muito relacionais e estamos sentindo falta, em maior ou menor grau, deles”.
Cynthia Provedel
“Cada organização pode estar vivendo um estágio diferente em relação ao exercício de empreender a cultura organizacional: construção, transformação e conservação. Nosso desafio, afinal, é participar ativamente de cada um destes momentos, garantindo que a cultura possa estar em congruência com a modalidade de trabalho definida em cada organização. Ou seja, por exemplo, se o modelo híbrido é o caminho a ser trilhado por uma determinada organização, o mais importante é que todos estejam conscientes dos desafios e ganhos existentes em cada modalidade e que a cultura possa não ser apenas um alicerce de sustentação, mas que contribua para dar sentido à decisão tomada. Caso contrário, acredito que a prática não vai se sustentar”.
Agora, se a modalidade de trabalho definida não está consonante com a cultura organizacional, penso que devemos repensar suas premissas, analisando se ela corresponde e suporta novas práticas e, em que medida, será necessário ressignificar e/ou desenvolver novos comportamentos/processos/sistemas de forma a dar conta de que o modelo de trabalho definido possa funcionar de forma fluída, coerente e produtiva no dia a dia.
Tendências e temas mais relevantes para a comunicação
Adriano Zanni
“Destacaria, principalmente, Diversidade & Inclusão, Comunicação Não Violenta, Liderança Social, Agenda ESG, Voluntariado e Responsabilidade Social. São temas que conectam as pessoas pelo respeito, pelo compartilhamento de estórias, saberes e experiências, que promovem a escuta ativa e lugares plurais de fala. Por isso, empoderam e levam os demais projetos e temas de negócios a um outro patamar, inspirando ambientes não apenas para melhorar o clima, mas gerando inovação e com o protagonismo à flor da pele. À medida em que me sinto acolhido e representado por minhas estórias, dentro da organização, o espaço do trabalho ganha um sentido de lar. E o brasileiro, por sua natureza relacional, busca incessantemente por este estilo de gestão. Por uma empresa onde eu também possa tecer conexões verdadeiras e laços afetivos. Precisamos deixar o pragmatismo aos processos e olhar a comunicação com foco na humanização, o que não é um discurso novo. Mas vejo que agora se intensificou”.
Cynthia Provedel
“A comunicação entre liderança e times continua na pauta, pois é principalmente por meio dela que humanizamos as relações e potencializamos elementos tão relevantes como escuta, empatia, vulnerabilidade e confiança. Lidar com a fragilidade que o momento presente traz, com o exercício de superação em função dos desafios vividos, demanda lidar com a expressão das emoções no ambiente de trabalho. Isso vai se tornar ainda mais importante do que no passado. Além de lidar com suas emoções, é fundamental que os líderes também tenham habilidade de lidar com as emoções do time, desenvolver essa sensibilidade na interação social que possibilitará uma comunicação muito mais empática, afetiva, humana e, portanto, mais efetiva frente às demandas do cenário atual.”
Empreender uma construção cultural que represente o todo, a partir de uma abordagem diversa, inclusiva e ampliada é fundamental para também sustentar o avanço em temáticas atuais como saúde mental, diversidade & inclusão, ESG, contribuindo para que as organizações planejem, a partir de sua identidade cultural, narrativas que conectem o apoio a essas causas ao propósito organizacional.
“A convivência entre os times no ambiente híbrido também tende a ser um desafio bastante concreto. Os que ficarem em casa deverão ser respeitados por esta condição. Os que estão no escritório também. Não deverá caber por parte do líder, por exemplo, preferências pelos que estão no modo presencial, nem por parte dos colegas o julgamento em relação aos que ficaram em casa. Estes são alguns cuidados importantes que farão a diferença em termos de coesão entre os times, engajamento, senso de coletividade e sensação de pertencimento.”
Mais do que uma postura e uma comunicação humanizada farão a diferença nesse contexto, contribuindo para que, sob as circunstâncias atuais, o ambiente e a relação entre os times possam se dar a partir de um lugar de confiança, apreciação, colaboração, cumplicidade, independentemente se a pessoa do time trabalha online, híbrido ou presencial.
Pensando em todos os pontos acima, será importante que o profissional de comunicação desenvolva uma repertório que favoreça sua contribuição a estas questões Será essencial compreender de que forma habilidades e campos do conhecimento como escuta, empatia, gestão das emoções e segurança psicológica reverberam neste cenário atual e no que ainda está por vir.